quinta-feira, 29 de março de 2012

dr. Pintassilgo: TJ/RJ

Impunidade: até quando? Por Rafael Simonetti


"A impunidade é a matriz e a geratriz de novos e insensatos acontecimentos e o desmoronamento do que ainda resta de bom na alma humana."
(Leon Frejda Szklarowsky)
Acompanhei incrédulo, como cidadão, pai de uma criança de 3 anos e Promotor de Justiça, a morte da pequena Grazielly Almeida Lames, em Bertioga, litoral de São Paulo, no dia 18 de fevereiro deste ano.
Na ocasião, Grazielly, que estava pela primeira vez em uma praia, encontrava-se na faixa de areia brincando com sua mãe, quando um jet ski, pilotado por um adolescente de 13 anos, desgovernou-se e a atingiu, ferindo-lhe na cabeça e causando-lhe a morte.
O ocorrido até poderia ser considerado uma fatalidade não fossem as circunstâncias que envolveram o acidente.
Atentemos, primeiramente, à grande quantidade de pessoas que pilotam jet ski sem habilitação em praias, lagos e represas de todo o País. É comum nos depararmos com adolescentes realizando manobras perto dos banhistas, além de adultos, que não possuem habilitação, praticando a mesma conduta imprudente. E onde está a fiscalização? A Capitania dos Portos não faz a vigilância necessária e o Corpo de Bombeiros não verifica o uso da habilitação, agindo apenas quando alguém precisa de socorro. As estatísticas demonstram que 99% dos acidentes envolvendo jet ski são causados por pessoas não habilitadas, que se utilizaram do veículo apenas para "dar umas voltinhas". A fiscalização – trabalho preventivo –, como sempre, é ineficiente.
Outro fator inaceitável, nesse caso específico, foi que, além de o jet ski que causou a morte de Grazielly ter sido pilotado por um jovem de apenas 13 anos, este, juntamente com toda a sua família, fugiu após o acidente, omitindo-se na prestação do socorro.
Não bastasse a atitude covarde de fugir do local da culpa, temos de nos deparar com as palavras do advogado do suposto autor do ato infracional afirmando que o adolescente não poderia comparecer para depor, pois estaria abalado psicologicamente. E assim o fez. Pleiteou a remarcação do depoimento na fase policial para outra oportunidade.
Agora, resta-nos a pergunta: E os pais da criança morta por um ato inconsequente e irresponsável? Segundo a imprensa, o depoimento da mãe da garota começou às 12h00 e só terminou às 15h00. Foram 3 horas intermináveis para essa mãe e vítima de tão trágico evento, para, ao final do inquérito policial, ser necessária a intervenção do delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, o qual determinou a remessa das peças de investigação para a Delegacia Seccional de Santos, a fim de dar continuidade ao trabalho investigatório. Isso porque, na Delegacia de Polícia de Bertioga, nada se concluiu e ninguém foi indiciado.
Esse e outros casos envolvendo crimes de trânsito mostram que a impunidade no País é um problema crônico, enraizado em nossa cultura, fazendo jus ao jargão de que "o Brasil é o país da impunidade".
Vejamos outro exemplo: se não bastasse a conivência da legislação brasileira em aceitar o criminoso praticando infrações penais como um hábito de vida, o Judiciário quis colaborar com essa sina de que, no Brasil, a impunidade predomina, e, em setembro de 2010, julgou inconstitucional a proibição da substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos contida nos artigos 33, § 4º e 44, caput, da lei de drogas, sob o fundamento de que a lei não pode subtrair do julgador a possibilidade de analisar a viabilidade da substituição, o que violaria o princípio da individualização da pena.
Como a decisão, no entanto, havia sido tomada em sede de controle concentrado de constitucionalidade (HC n. 97256), havia o entendimento de que esta valeria somente para o processo julgado na ocasião.
Novamente, em sentido contrário ao que pretende a sociedade, que, no caso, foi atendida pelos parlamentares ao vedarem a aplicação de penas restritivas de direitos ao traficante e seus asseclas, o Supremo Tribunal Federal propiciou a benesse para o autor de um dos crimes mais deletérios para a humanidade e que aterroriza milhares de famílias Brasil afora.
Quem é promotor de justiça, advogado, juiz, secretário de saúde, membro de conselho tutelar, sabe exatamente do que estamos falando, principalmente nos pequenos municípios do interior do País, onde o consumo de drogas cresce em ritmo alarmante, deixando pais, mães e filhos nas mãos de traficantes.
Se não bastasse, no dia 16 de fevereiro de 2012, a resolução 5, expedida pelo Senado Federal, suspendeu a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", contida no § 4º do art. 33 da lei 11.343/2006.
Na prática, a resolução 5/2012 do Senado Federal estendeu os efeitos do julgamento do HC n. 97256/RS, que beneficiava uma só pessoa, para todos os condenados na forma do art. 33, § 4º da lei de drogas.
A questão, mais uma vez, não é a edição da resolução em si, mas, aprovada em 2006, a atual lei antidrogas foi editada por endurecer as punições a traficantes – a pena mínima para o tráfico subiu de 3 para 5 anos, por exemplo – enquanto abrandava as penas voltadas aos usuários de drogas. O objetivo era combater o tráfico e, ao mesmo tempo, focar na recuperação do usuário.
Apesar disso, o que estamos assistindo relativiza essas diferenças, permitindo que pequenos traficantes, que sejam réus primários com bons antecedentes e não tenham vínculo comprovado com organizações criminosas, também possam cumprir penas alternativas, esvaziando qualquer poder de punição.
É o tráfico de drogas recebendo tratamento de infração de menor potencial ofensivo, apesar de ser equiparado a crime hediondo.
Mais uma vez, os Poderes da República prestando um desserviço no combate ao tráfico de drogas. Vamos aguardar novas benesses! Quem sabe em breve encontraremos um traficante proferindo palestras de combate às drogas nas escolas, como forma de prestação de serviços "relevantes" à comunidade.
Esses casos específicos demonstram que o País está regredindo no combate à impunidade em todos os segmentos da sociedade, evidenciando que os Poderes constituídos muitas vezes menosprezam a vontade da população. Esta, por sua vez, aguarda que os nossos representantes mudem tão lamentável realidade, que, sem dúvida, perdura há exatos 512 anos.
__________
* Rafael Simonetti é promotor de Justiça da 4ª PJ de Planaltina de Goiás/GO

Molharam a Lei Seca

E agora?

http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/detalhe.asp?numreg=200900250862

terça-feira, 27 de março de 2012

Quero rir e chorar!


Circulando pela internet, nos jornais e no boca-a-boca dos fóruns e escritórios, sobram histórias em que advogados, juízes e outros agentes da Justiça protagonizam passagens que parecem piada, pelas impropri­edades e erros grosseiros nos textos e falas.
Conheça algumas pérolas.
“Peço trancação penal” – Candida­to, em Exame da Ordem, solicitando trancamento de ação penal.
“Diploma do anonimato e concla­ve assemblear” – Expressões já usadas por advogados para designar a Lei das Sociedades Anônimas e a assembléia de acionistas.
“Ordem de vocação hereditária é quando o filho segue a mesma profissão do pai, ou seja, filho de peixe, peixinho é” – Candidato, em Exame da Ordem, ignorando que a expressão refere-se à ordem dos herdeiros na sucessão.
“Arquive-se esta execução, porque o exequente foi executado (a bala) pelo de­vedor” – Despacho judicial, em Comar­ca do Mato Grosso.
“Para que não venha alegar cercea­mento de Direito, venha, em 48 horas improrrogáveis, nova, correta e defi­nitiva emenda inicial, eis que o de cu­jus encontra-se nos céus ou nos purgatórios, ou ainda nos infernos, não dis­pondo o Juízo de dons mediúnicos para convocá-lo à resposta” – Despacho de juiz em processo no qual o advogado requeria citação pessoal do de cujus, em Santo André, SP.
“Na realidade, Cortez nada mais lhe fez (à vítima) do que uma cortesia” – ­Parecer de um procurador de Jus­tiça em processo de estupro, com acusado chamado Cortez.
“Um crucifixo em madeira, estilo country-colonial, marca INRI, sem número de série” – Avaliação feita por oficial de Justiça.
“Estribado no escólio do saudoso mestre baiano, o pedido contido na exordial não logrou agasalho” – Escrito por um estudante de Direito, significa que, com base em citação de Orlando Gomes, a petição inicial não foi aceita pelo juiz.
“O material é imprestável, mas pode ser utilizado” – Descrição de bens para penhora em execução.
“Os anexos seguem em separado” – ­Em termo de encerramento de laudo judicial de um processo em Vara Cível do Fórum João Mendes, em São Paulo

Direito de habitação ao cônjuge



Sucessões. Direito real de habitação do cônjuge casado no regime da separação de bens. Sucessão aberta em 1999. Art. 1.611, par. 2., do CC de 16. Equiparação aos direitos do companheiro, previstos no art. 7., par. ún., da Lei 9.278/96.
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 821.660 – DF (2006/0038097-2) (f)RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : N. P. E OUTROS
ADVOGADO : JOSÉ RIBAMAR LEITE DE OLIVEIRA E OUTRO
RECORRIDO : G. M. D.
ADVOGADO : CHUCRE SUAID E OUTRO
EMENTA
DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA. SITUAÇÃO JURÍDICA MAIS VANTAJOSA PARA O COMPANHEIRO QUE PARA O CÔNJUGE. EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL.
1.- O Código Civil de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo Estatuto da Mulher Casada, conferia ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que casado sob o regime da comunhão universal de bens.
2.- A Lei nº 9.278/96 conferiu direito equivalente aos companheiros e o Código Civil de 2002 abandonou a postura restritiva do anterior, estendendo o benefício a todos os cônjuges sobreviventes, independentemente do regime de bens do casamento.
3.- A Constituição Federal (artigo 226, § 3º) ao incumbir o legislador de criar uma moldura normativa isonômica entre a união estável e o casamento, conduz também o intérprete da norma a concluir pela derrogação parcial do § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação, em antecipação ao que foi finalmente reconhecido pelo Código Civil de 2002.
4.- Recurso Especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Boas Cueva, Nancy Andrighi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 14 de junho de 2011(Data do Julgamento)
Ministro SIDNEI BENETI
Relator
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 821.660 – DF (2006/0038097-2) (f)
RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : N. P. E OUTROS
ADVOGADO : JOSÉ RIBAMAR LEITE DE OLIVEIRA E OUTRO
RECORRIDO : G. M. D.
ADVOGADO : CHUCRE SUAID E OUTRO
RELATÓRIO
O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):
1.- N. P. e OUTROS interpõem recurso especial com fundamento na alínea “a” do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Relator o Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA, cuja ementa ora se transcreve (fls. 165/166):
CIVIL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DE CÔNJUGE SOBREVIVENTE – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL – ANÁLISE DO FEITO SOB A ÓTICA DE IMISSÃO DE POSSE.
1 . No aspecto concernente a análise do feito sob a ótica de imissão de posse, creio ter o nobre juiz sentenciante discorrido com acerto que “imissão na posse agasalha a mesma natureza de ação possessória” (fl. 126), motivo que tornam descaracterizados os fundamentos afirmados no recurso, ensejando o inacolhimento do pedido.
2. Ainda que no presente caso recaia sobre o cônjuge sobrevivente parte ínfima do direito sobre o imóvel (1/4 da meação), extrai-se do Novo Código Civil a garantia do direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência, desde que seja o único a inventariar, conforme dispõe o art. 1831, do Novo Código Civil.
3 . Com este novo instituto busca o legislador tão somente promover proteção ao cônjuge supérstite.
4. A lei não deixa todavia de respaldar o direito de propriedade dos herdeiros, que inquestionavelmente já lhes é garantido mediante o direito positivo, mas apenas, adequá-la a seus propósitos de forma a não malferir nos termos em que preconizados.
5 . Uma vez restado infrutíferas as tentativas de possível conciliação entre as partes e tratando-se de bem imóvel indivisível, o que busca a lei não é sobrelevar o usufruto pelo singelo valor pecuniário correspondente a quarta parte do total de herança, em relação à sua totalidade, mas enfatizar a utilidade do instituto, enquanto fonte de sobrevivência.
6 . Apelação desprovida. Unânime.
2.- Os embargos de declaração (fls. 178/183) foram rejeitados (fls. 189/184).
3.- Os recorrentes alegam que o Tribunal de origem teria violado o artigo 535 do Código de Processo Civil ao deixar de se manifestar sobre os temas suscitados nos embargos de declaração.
4.- Sustentam que a esposa do de cujos não tem direito real de habitação sobre o imóvel, porque casada sob o regime de separação total de bens.
Sustentam que, nos termos do artigo 1.611, § 2º, do Código de 1916, vigente ao tempo da abertura da sucessão, o direito de habitação só socorria ao cônjuge sobrevivente que estivesse casado sob o regime da comunhão universal de bens.
5.- Ressaltam que o direito real de habitação do cônjuge supérstite, tal como previsto no artigo 1.831 do Código Civil em vigor, só pode ser aplicado às sucessões abertas sob a égide do novo diploma.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 821.660 – DF (2006/0038097-2) (f)
VOTO
O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):
6.- C. S. D. e sua esposa, C. D. eram proprietários do apartamento 203, da SQN 403, Bloco I, desta capital.
7.- A cônjuge virago faleceu 26/10/81, transferindo às filhas do casal, N. P., M. D., M. e M. C. D., a meação que tinha sobre o imóvel.
8.- Em 28/06/89, C. D. convolou novas núpcias com G. M., tendo sido adotado o regime da separação obrigatória de bens. Dessa união não resultou filhos.
9.- Em 18/06/99 C. D. veio a óbito, ocasião em que as filhas do primeiro casamento herdaram a outra metade do imóvel descrito.
10.- Em 17/02/02 N. P., M. D., M. e M. C. D. ajuizaram ação de reintegração de posse contra a viúva de seu pai, G. M. D., visando a se imitirem na posse do bem (fls. 02/06).
11.- A sentença indeferiu o pedido, argumentando, basicamente, que o artigo 1.831 do Código Civil outorgava ao cônjuge supérstite o direito real de habitação sobre o imóvel da família, desde que fosse o único a inventariar (fls. 116/120).
12.- O Tribunal de origem manteve a sentença nos termos da ementa constante do relatório.
13.- Não se viabiliza o especial pela indicada ausência de prestação jurisdicional, porquanto a matéria em exame foi devidamente enfrentada, emitindo-se pronunciamento de forma fundamentada e sem contradições. A jurisprudência desta Casa é pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte.
14.- A questão posta no presente recurso especial está, essencialmente, em saber se a recorrida G. M. D. faz ou não faz jus ao direito real de habitação sobre o imóvel em que residia com o seu falecido esposo tendo em vista a data da abertura da sucessão e o regime de bens do casamento.
15.- O Código Civil de 2002, no seu artigo 1831, confere ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens e sem prejuízo do que lhe caiba por herança, o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único dessa natureza a inventariar.
16.- Não se trata, porém de uma inovação legislativa. A Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada) havia acrescido ao artigo 1.611 do Código Civil de 1916, um parágrafo segundo que estabelecia o mesmo direito subjetivo, restringindo-o, porém, às hipóteses em que o cônjuge sobrevivente e o de cujus fossem casados pelo o regime da comunhão universal de bens.
17.- A restrição contida no Código antigo era alvo de severas críticas, sobretudo a partir de 1977, quando o regime legal de bens no casamento, deixou de ser o da comunhão universal para ser o da comunhão parcial, por criar situações de injustiça social.
ORLANDO GOMES assinalava, a propósito, que:
A restrição ao regime da comunhão universal é injustificável. Quando se não quisesse estender o favor ao cônjuge casado pelo regime da separação, caberia pela mesma razão, no caso de comunhão parcial, ao menos quando imóvel fosse adquirido na constância do matrimônio e, portanto se houvesse comunicado, tornando-se bem comum. (GOMES, Orlando, apud LEITE, Eduardo de Oliveira: Comentários ao Novo Código Civil, Vol. XXI, Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 226).
Possivelmente em razão dessas críticas, o legislador de 2002 houve por bem abandonar a posição mais restritiva, conferindo o direito real de habitação ao cônjuge supérstite casado sob qualquer regime de bens (art. 1831).
18.- Antes do Código Civil de 2002, porém, a Lei nº 9.278/96 já havia conferido direito equivalente às pessoas ligadas pela união estável.
Art. 7º.
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
19.- Instaurou-se, assim, um certa perplexidade, pois, entre a edição dessa lei e o início da vigência do Código Civil de 2002, uma interpretação literal das normas de regência então vigentes, autorizavam concluir que o companheiro sobrevivente estava em situação mais vantajosa do que o cônjuge sobrevivente (que não fosse casado pelo regime da comunhão universal de bens).
Perceba-se que o direito real de habitação, até então exclusivo do cônjuge supérstite, havia sido estendido ao companheiro sobrevivente por força do parágrafo único do artigo 7º, da lei 9.278/96, de maneira mais abrangente, conferindo ao companheiro sobrevivente um direito subjetivo que não socorria à maioria dos cônjuges em idêntica situação.
Examinando-se as consequências dessa exegese tem-se o seguinte: Se duas pessoas vivessem em união estável e uma delas falecesse a outra teria a segurança de continuar vivendo no imóvel em que residiam. Se porém, essas mesmas pessoas resolvessem se casar, o que provavelmente ocorreria sob o regime da comunhão parcial, já que esse era o regime legal a partir de 1977, o cônjuge sobrevivente não teria mais assegurado o direito de continuar habitando o imóvel da família.
20.- O casamento, a partir do que se extrai inclusive da Constituição Federal, conserva posição juridicamente mais forte que a da união estável. Não se pode, portanto, emprestar às normas destacadas uma interpretação dissonante dessa orientação constitucional.
Tal impossibilidade vem bem destacada, por exemplo, nos seguintes precedentes desta Corte Superior:
Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. Casamento simultâneo. Ação de indenização. Serviços domésticos prestados. – Se com o término do casamento não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados, tampouco quando se finda a união estável, muito menos com o cessar do concubinato haverá qualquer viabilidade de se postular tal direito, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia constitucional de tratamento; ora, se o cônjuge no casamento nem o companheiro na união estável fazem jus à indenização, muito menos o concubino pode ser contemplado com tal direito, pois teria mais do que se casado fosse.
- A concessão da indenização por serviços domésticos prestados à concubina situaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que o próprio casamento, o que é incompatível com as diretrizes constitucionais fixadas pelo art. 226 da CF/88 e com o Direito de Família, tal como concebido.
(…)
- Inviável o debate acerca dos efeitos patrimoniais do concubinato quando em choque com os do casamento pré e coexistente, porque definido aquele, expressamente, no art. 1.727 do CC/02, como relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar; a disposição legal tem o único objetivo de colocar a salvo o casamento, instituto que deve ter primazia, ao lado da união estável, para fins de tutela do Direito. (REsp 872.659/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 19/10/2009);
Processual civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Casamento. Regime da separação legal de bens. Cônjuge com idade superior a sessenta anos. Doações realizadas por ele ao outro cônjuge na constância do matrimônio. Validade.
- São válidas as doações promovidas, na constância do casamento, por cônjuges que contraíram matrimônio pelo regime da separação legal de bens, por três motivos: (i) o CC/16 não as veda, fazendo-no apenas com relação às doações antenupciais; (ii) o fundamento que justifica a restrição aos atos praticados por homens maiores de sessenta anos ou mulheres maiores que cinqüenta, presente à época em que promulgado o CC/16, não mais se justificam nos dias de hoje, de modo que a manutenção de tais restrições representam ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana; (iii) nenhuma restrição seria imposta pela lei às referidas doações caso o doador não tivesse se casado com a donatária, de modo que o Código Civil, sob o pretexto de proteger o patrimônio dos cônjuges, acaba fomentando a união estável em detrimento do casamento, em ofensa ao art. 226, §3º, da Constituição Federal. (REsp 471.958/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 18/02/2009).
21.- Considerando, pois, que a interpretação literal das normas postas levaria à conclusão de que o companheiro estaria em situação privilegiada em relação ao cônjuge e, bem assim, que essa exegese, propõem uma situação de todo indesejada no ordenamento jurídico brasileiro, é de se rechaçar a adoção dessa interpretação literal da norma.
22.- Uma interpretação que melhor ampara os valores espelhados na Constituição Federal é aquela segundo a qual o artigo 7º da Lei nº 9.278/96 teria derrogado, a partir da sua entrada em vigor, o § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a neutralizar o posicionamento restritivo contido na expressão “casados sob o regime da comunhão universal de bens”.
23.- Em outras palavras é de se admitir que a Constituição Federal (artigo 226, § 3º) ao exortar o legislador a criar de uma moldura normativa pautada pela isonomia entre a união estável e o casamento, exortou também o intérprete da norma e o juiz a concluírem pela derrogação parcial do § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação.
24.- Perceba-se que, dessa maneira, tanto o companheiro, como o cônjuge, qualquer que seja o regime do casamento, estarão em situação equiparada, adiantando-se, de tal maneira, o quadro normativo que só veio a se concretizar de maneira explícita, com a edição do novo Código Civil.
25.- Resumindo é possível afirmar que, no caso dos autos, como o cônjuge da recorrida faleceu em 1999, é indevido recusar a esta o direito real de habitação sobre o imóvel em que residiam desde essa data, tendo em vista a aplicação analógica por extensão do artigo 7º da Lei nº 9.278/96.
26.- Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.
Ministro SIDNEI BENETI
Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2006/0038097-2 REsp 821.660 / DF
Número Origem: 20020111149003
PAUTA: 14/06/2011 JULGADO: 14/06/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : N. P. E OUTROS
ADVOGADO : JOSÉ RIBAMAR LEITE DE OLIVEIRA E OUTRO
RECORRIDO : G. M. D.
ADVOGADO : CHUCRE SUAID E OUTRO
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Coisas – Posse
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator

CÔNJUGE SOBREVIVENTE CONCORRE NA HERANÇA COM ASCENDENTES


RECURSO ESPECIAL – SUCESSÃO – CÔNJUGE SUPÉRSTITE – CONCORRÊNCIA COM ASCENDENTE, INDEPENDENTE O REGIME DE BENS ADOTADO NO CASAMENTO – PACTO ANTENUPCIAL – EXCLUSÃO DO SOBREVIVENTE NA SUCESSÃO DO DE CUJUS – NULIDADE DA CLÁUSULA – RECURSO IMPROVIDO – 1 – O Código Civil de 2.002 trouxe importante inovação, erigindo o cônjuge como concorrente dos descendentes e dos ascendentes na sucessão legítima. Com isso, passou-se a privilegiar as pessoas que, apesar de não terem qualquer grau de parentesco, são o eixo central da família – 2 – Em nenhum momento o legislador condicionou a concorrência entre ascendentes e cônjuge supérstite ao regime de bens adotado no casamento – 3 – Com a dissolução da sociedade conjugal operada pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente terá direito, além do seu quinhão na herança do de cujus, conforme o caso, à sua meação, agora sim regulado pelo regime de bens adotado no casamento – 4 – O artigo 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei – 5 – Recurso improvido. (STJ – REsp nº 954.567 – PE – 3ª Turma – Rel. Min. Massami Uyeda – DJ 18.05.2011)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, a Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 10 de maio de 2011 (data do julgamento).
MINISTRO MASSAMI UYEDA – Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto pelo ESPÓLIO DE EDNEIDE MARIA PORTO DE SANTANA – ESPÓLIO, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 111, 112, 1.369, 1.672, 1.674, incisos I, II e III, 1.725 e 1.837 do Código Civil e divergência jurisprudencial.
Os elementos existentes nos autos dão conta de que, em razão do passamento de EDNEIDE MARIA PORTO DE SANTANA, sua genitora, a Sra. EUNICE PINHEIRO PORTO, ingressou com o pedido de abertura de inventário, momento em que declarou que a de cujus era casada com o Sr. JOSÉ ALDO DE SANTANA, sob o regime de Participação Final nos Aquestos, nos termos do pacto antenupcial firmado entre eles, em que constava expressamente a exclusão de qualquer partilha, inclusive por herança ou sucessão, o patrimônio de cada cônjuge adquirido antes do casamento (fls. 41⁄47).
Diante do pedido de adjudicação do espólio, formalizado pela mãe da falecida, o MM. Juiz decidiu em partilhar o monte pertencente ao ESPÓLIO DE EDNEIDE MARIA PORTO DE SANTANA, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para o viúvo e 50% (cinquenta por cento) para a sua ascendente (fls. 26⁄28).
Contra essa decisão, o ESPÓLIO DE EDNEIDE MARIA PORTO DE SANTANA, representado pela inventariante EUNICE PINHEIRO PORTO, interpôs agravo de instrumento, tendo o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco negado provimento ao recurso, em acórdão assim ementado:
“DIREITO DAS SUCESSÕES – MEAÇÃO – REGIME PATRIMONIAL – CÔNJUGE SUPÉRSTITE – DIREITO À HERANÇA INDEPENDENTE DO REGIME MATRIMONIAL.
1 – De acordo com o Código Civil, em seu art. 1837, concorrendo com o ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; se houver só um ascendente vivo o cônjuge herdará a metade da herança, não sendo possível, portanto, afastar o cônjuge sobrevivente da sucessão, nem mesmo por escritura pública de pacto antenupcial, como pretende a agravante, inventariante⁄ascendente, porquanto tão somente através da deserdação se poderia excluir o cônjuge da legítima, o que não é a hipótese dos autos. Por maioria, negou-se provimento ao recurso de Agravo de Instrumento interposto.” (fl. 153).
Os embargos de declaração, assim opostos, foram rejeitados (fls. 229⁄231).
Irresignado, o ESPÓLIO de EDNEIDE MARIA PORTO DE SANTANA interpõe recurso especial, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 111, 112, 1.369, 1.672, 1.674, incisos I, II e III, 1.725 e 1.837 do Código Civil e divergência jurisprudencial. Sustenta o recorrente, em síntese, que o cônjuge sobrevivente concorre na sucessão com o ascendente apenas quanto aos aquestos (fls. 240⁄253).
Em contrarrazões, defende o recorrido a manutenção do acórdão recorrido (fls. 259⁄266).
Admitido o apelo nobre pelo juízo prévio de admissibilidade (fls. 269⁄270), ascendeu o presente recurso a este Superior (fls. 273⁄274).
O Ministério Público Federal emitiu parecer pelo improvimento do recurso (fls. 279⁄282).
Vieram os autos conclusos (fl. 283-verso).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Eminentes Ministros.
Ante as nuanças que envolvem o caso posto em julgamento, necessário que se faça um escorço de todas as suas circunstâncias.
Depreende-se dos autos que EDNEIDE MARIA PORTO DE SANTANA (falecida) e JOSÉ ALDO DE SANTANA viveram em união estável desde os idos de 1.995, convencionando-se que os bens adquiridos antes ou durante a convivência não se comunicariam (fl. 34). No ano de 2.003, ao converterem a união estável em casamento, realizaram pacto antenupcial no qual elegeram o regime de participação final nos aquestos, discriminando os bens de propriedade de cada um deles, que não se comunicariam em caso de dissolução da sociedade conjugal, em qualquer hipótese (fls. 29⁄33).
Em 2.004, a EDNEIDE MARIA PORTO DE SANTANA veio a falecer, tendo a sua genitora, EUNICE PINHEIRO PORTO, ajuizado o pedido de abertura de inventário, postulando a adjudicação de todos os bens da inventariada, por ser a sua única herdeira, já que os pactos firmados com o seu cônjuge o excluiam de partilha de seus bens particulares e, também, pelo fato de não terem adquirido bens durante o casamento (fls. 41⁄47).
O cônjuge supérstite, por sua vez, defende a sua concorrência, com a ascendente da de cujus, na sucessão.
Eis a questão posta em julgamento.
O recurso não merece prosperar.
Com efeito.
Assim como o nascimento com vida, a morte também gera efeitos jurídicos. Em que pese ela cause a extinção da personalidade jurídica e a dissolução da sociedade conjugal, o patrimônio e as obrigações do finado, via de regra, continuam hígidas, cabendo aos sucessores ocuparem a sua situação jurídica perante eles.
Ainda que as relações concernentes ao direito de família e o direito sucessório estejam intimamente ligadas, os direitos patrimoniais do casamento repercutem de forma particular na ordem de vocação hereditária. Assim, objetivando regulamentar a transferência do espólio do de cujus, o Código Civil disciplina, de forma minuciosa e cogente, as pessoas aptas a herdar e como será feita a partilha.
Falecida a pessoa, ab intestato, a sucessão dar-se-á na forma indicada nos artigos 1.829 usque 1.856 do Código Civil, que, entre outros temas, elenca a ordem de vocação hereditária.
O Código Civil de 2.002, trouxe importante inovação, erigindo o cônjuge como concorrente dos descendentes e dos ascendentes na sucessão legítima. Com isso, passou-se a privilegiar as pessoas que, apesar de não terem qualquer grau de parentesco, são o eixo central da família.
O artigo 1.829, caput e incisos I e II, do Código Civil são categóricos: na falta de descendentes, a sucessão legítima defere-se aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge.
Observa-se que, em nenhum momento o legislador condicionou a concorrência entre ascendentes e cônjuge ao regime de bens adotado no casamento, ao contrário do que fora disposto no inciso I do art. 1.829 do Código Civil, em que o cônjuge supérstite concorrerá com os descendentes, salvo se casado no regime de comunhão universal, no de separação obrigatória, ou no de comunhão parcial, se o autor da herança não houver deixado bens particulares.
Ademais, não se pode olvidar a qualidade de herdeiro necessário do cônjuge sobrevivente, que, por si só, lhe garante o direito à concorrer na legítima com o ascendente do finado.
Destarte, nos termos do brocardo segundo o qual não cabe ao intérprete restringir o que a lei não restringe, o cônjuge supérstite concorrerá com os ascendentes, independentemente do regime de bens adotado no casamento com o de cujus.
Imperioso, ainda, destacar que, com a dissolução da sociedade conjugal operada pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente também terá direito à sua meação, agora sim regulado pelo regime de bens adotado no casamento.
Observa-se que, enquanto na herança há substituição da propriedade da coisa, na meação não, pois ela permanece com seu dono.
Não há que se confundir, portanto, o direito de sucessão do cônjuge, em concorrência com os descendentes ou ascendentes, com a meação relacionada ao direito patrimonial do casamento.
Destaca-se, por oportuno, que o artigo 1.685 do Código Civil, inserido no capítulo referente ao regime de participação final nos aquestos, é categórico em definir essa distinção, in verbis: “Na dissolução da sociedade conjugal por morte, verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos antecedentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma estabelecida neste Código”.
Além disso, a pretensão da recorrente de que o pacto antenupcial teria excluído o viúvo da sucessão dos bens próprios da falecida não prospera, porquanto o artigo 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei.
A professora Maria Helena Diniz, ao apreciar esse dispositivo em sua obra, assim leciona:
“O pacto antenupcial deve contar tão-somente estipulações atinentes às relações econômicas dos cônjuges. Considerar-se-ão nulas as cláusulas nele contidas que contravenham disposições legal absoluta, prejudiciais aos direitos conjugais, paternos, maternos etc. (CC, art. 1655). Igualmente não se admitem cláusulas que ofendam os bons costumes e a ordem pública. Exemplificativamente, nulas serão as cláusulas, e não o pacto, que (…); (c) alterem a ordem de vocação hereditária; (…)”. (DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil Brasileiro; vol. 05; 22ª ed.; Ed. Saraiva: 2007; p.153)
In casu, o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, ao apreciar a causa, assim se manifestou:
“De acordo com o Código Civil, em seu art. 1.837, concorrendo com o ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; se houver só um ascendente vivo o cônjuge herdará a metade da herança, não sendo possível, portanto, afastar o cônjuge sobrevivente da sucessão, nem mesmo por escritura pública de pacto antenupcial, como pretende a agravante, inventariante⁄ascendente, porquanto tão somente através da deserdação se poderia excluir o o cônjuge da legítima, o que não é a hipótese dos autos.
Na meação, os bens já pertencem ao cônjuge sobrevivo, enquanto que na sucessão os bens pertencem ao de cujus, sendo-lhes atribuídos a título de herança.” (fl. 155)
Verifica-se, então, que não há máculas no entendimento adotado pelo acórdão recorrido.
Nega-se, portanto, provimento ao recurso especial.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA, Relator.
VOTO-VISTA
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
Cuida-se de recurso especial interposto por EDNEIDE MARIA PORTO DE SANTANA – ESPÓLIO, representado por sua inventariante EUNICE PINHEIRO PORTO – INVENTARIANTE, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ⁄PE.
Procedimento especial de jurisdição contenciosa (fls. 41⁄47): abertura de inventário do patrimônio hereditário de EDNEIDE MARIA PORTO DE SANTANA, requerido por sua genitora, a Sra. EUNICE PINHEIRO PORTO, inventariante, sendo que o óbito ocorreu em 24⁄01⁄2004. Declara que a de cujus era casada com o Sr. JOSÉ ALDO DE SANTANA, recorrido, sob o regime de Participação Final de Aquestos. Informa que no pacto antenupcial firmado entre eles constava expressamente a exclusão de qualquer partilha do patrimônio de cada cônjuge adquirido antes do casamento.
Decisão interlocutória (fls. 26⁄28): o i. Juiz, diante do pedido da inventariante de adjudicar a totalidade do monte integrante do espólio, decidiu partilhá-lo na proporção de 50% (cinquenta por cento) para o viúvo e 50% (cinquenta por cento) para a sua ascendente.
Acórdão (fls. 154⁄174): inconformado, o recorrente interpôs agravo de instrumento, ao qual o TJ⁄PE negou provimento por maioria, nos termos do acórdão assim ementado:
DIREITO DAS SUCESSÕES – MEAÇÃO – REGIME PATRIMONIAL – CÔNJUGE SUPÉRSTITE – DIREITO À HERANÇA INDEPENDENTE DO REGIME MATRIMONIAL.
1- De acordo com o Código Civil, em seu art. 1837, concorrendo com o ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; se houver só um ascendente vivo o cônjuge herdará a metade da herança, não sendo possível, portanto, afastar o cônjuge sobrevivente da sucessão, nem mesmo por escritura pública de pacto antenupcial, como pretende a agravante, inventariante⁄ascendente, porquanto tão somente através da deserdação se poderia excluir o cônjuge da legítima, o que não é a hipótese dos autos.
Por maioria, negou-se provimento ao recurso de Agravo de Instrumento interposto.
Embargos de declaração (fls. 229⁄231): interposto pelo recorrente, foi rejeitado.
Recurso especial (fls. 240⁄253): interposto com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, aponta, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts. 111, 112, 1.369, 1.672, 1.674, I, II e III, 1.725 e 1.837 do CC.
Juízo de admissibilidade (fls. 273⁄274): após a apresentação das contrarrazões (e- fls. 259⁄266) o recurso especial foi admitido na origem.
Parecer do MPF (fls. 279⁄282): opinou pelo improvimento do recurso especial.
O i. Min. Relator Massami Uyeda proferiu voto, no que foi acompanhado pelo i. Min. Sidnei Beneti, negando provimento ao recurso especial.
Pedi vista dos autos, para melhor examinar a controvérsia.
Revisados os autos, decido.
Irrepreensível, na hipótese, o entendimento adotado pelo i. Min. Relator, que proferiu voto negando provimento ao recurso especial, sob o fundamento de que “em nenhum momento o legislador condicionou a concorrência entre ascendentes e cônjuge ao regime de bens adotado no casamento”, ressaltando, ademais, a regra disposta no art. 1.655 do CC.
Com efeito, a acolhida da pretensão da recorrente, qual seja, a não concorrência entre o cônjuge supérstite – casado com o de cujus sob o regime de participação final de aquestos – e o ascendente, no que diz respeito aos bens próprios da falecida, importaria na negação da vigência das regras do direito sucessório.
É verdade que no âmbito do direito de família a questão é diversa. Havendo a dissolução da sociedade conjugal em razão do falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivente terá direito a sua meação, para qual o regime de bens adotado no casamento assume relevância. Contudo, tratando-se a hipótese dos autos de direito sucessório, mais especificadamente acerca da concorrência entre ascendentes e o cônjuge sobrevivente, o regime de bens adotado é irrelevante.
Isso porque, ao contrário do disposto no inciso I do art. 1.829 do CC, que regula a concorrência do cônjuge supérstite com os descendentes, o inciso II do mesmo dispositivo de lei não condicionou a concorrência entre ascendentes e o cônjuge sobrevivente ao regime de bens adotado no casamento, razão pela qual “caso o morto não deixe descendentes, herdam concorrentemente, em igualdade de condições (CC 1836), seus ascendentes e o cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens do casamento, desde que preenchidos por ele os requisitos do CC 1830” (Nery Junior, Nelson. Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. São Paulo: RT, 2009, p.1.284).
Por fim, a constatação do i. Relator de que o “art. 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei” só vem a reforçar a tese de descabimento do pleito recursal.
Forte nessas razões, ACOMPANHO na íntegra o voto do i. Min. Relator

segunda-feira, 26 de março de 2012

SUCESSÃO EM GERAL - Parte I




A sucessão tem tratamento no código civil a partir do art. 1784 do Código Civil. Trataremos da sucessão mortis causa especificamente. No entanto, alguns esclarecimentos são necessários.
Viajemos.
SUCESSÃO A TITULO UNIVERSAL: tal modalidade ocorre quando for feita a transferência de todo o patrimônio (transferência total), como no caso da incorporação de uma sociedade.
SUCESSÃO A TITULO SINGULAR: neste caso não há transferência de todos os direitos e deveres, mas somente de alguns, por exemplo, no caso do legado, que ocorre quando o testador determina a transferência de bens determinados.
SUCESSÃO POR DETERMINAÇÃO LEGAL: trata-se de hipótese que se encontra descrita na própria lei que irá prever, no caso especifico, como irá se proceder a substituição, como no caso da Lei n. 8.245/91 (Lei de Locações), que no art. 12 determina a continuidade do contrato de locação, automaticamente, quando ocorrer a dissolução da sociedade conjugal.
SUCESSÃO POR VONTADE DAS PARTES: tal modalidade se dá quando duas pessoas celebram um negocio jurídico, com o objetivo de determinar a substituição do titular de um determinado direito, por exemplo, no caso da compra e venda que retrata uma substituição na titularidade do direito real de propriedade. O comprador irá substituir o vendedor na titularidade do direito real de propriedade.
SUCESSÃO INTER VIVOS: trata-se de uma sucessão que ocorre em vida (entre vivos)
SUCESSÃO MORTIS CAUSA: trata-se da sucessão que ocorre em razão da morte.
No Código Civil, o direito sucessório possui o seguinte conteúdo:
1)      Sucessão em geral – trata-se de regras para todo o direito sucessório.
2)      Sucessão legítima (que deriva da lei) – trata-se daquela em que o legislador estabelece a sua vontade na norma. Vontade presumida do autor da herança. Subsidiaria.
3)      Sucessão testamentária – hipótese em que a pessoa, não contente com a regra prevista em lei, deseja estabelecer outras regras para a sua sucessão.
4)      Inventário e partilha – regras para a formalização da sucessão no inventário.
TERMINOLOGIA DA SUCESSÃO
AUTOR DA HERANÇA: também pode ser chamado de inventariado ou “de cujus” (que surgiu da frase de cuius sucessiones agitur), trata-se da pessoa de cuja sucessão se trata.
HERDEIRO: também chamado de sucessor, é o substituto em razão da morte. Existem vários tipos de herdeiros:
Herdeiro legítimo – a sucessão legítima é aquela estabelecida em lei, assim sendo os herdeiros encontrados no art. 1829 do CC são chamados legítimos. São eles os descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais.
Herdeiro necessário ou reservatório – trata-se do herdeiro que possui uma reserva no patrimônio de uma pessoa. Quem tem herdeiro necessário não pode dispor gratuitamente (por doação e testamento) de mais da metade do patrimônio (parte disponível). De acordo com o art. 1.845, são herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge.
Qual a diferença entre herdeiro legítimo e herdeiro necessário? A diferença é o colateral (que é herdeiro legítimo, mas não necessário).
HERANÇA: também chamada de acervo hereditário, monte mor, monte partível, massa hereditária, patrimônio inventariado e espólio. É a universalidade das relações jurídicas do falecido. Trata-se do conceito previsto no art. 91 do CC, para quem constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas de uma pessoa dotada de valor econômico.
Não podemos esquecer que o acervo hereditário permanece indivisível até a partilha, formando um condomínio (art.1.791, parágrafo único, do CC). A massa hereditária não tem personalidade jurídica, mas somente legitimidade processual, que é exercida pelo inventariante (art. 12, V, do CPC). O acervo hereditário é considerado bem imóvel por força do art. 80, II, do CC e, em razão disso, obedecerá a certas particularidades.
Integram o acervo hereditário:
a)      Bens móveis e imóveis;
b)      Obrigações;
c)       Outros direitos como ações e quotas sociais;
d)      Crédito perante terceiro;
e)      Direito de propor ações judiciais.
ORDEM DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA: trata-se da regra da sucessão legitima que estabelece uma sequência de pessoas ligadas ao falecido pelo parentesco ou vinculo conjugal. É a regra da sucessão legitima para estabelecer a preferência de herdeiros.
INVENTÁRIO: é o procedimento (que pode ser judicial ou extrajudicial) necessário para se efetuar a partilha, momento em que se transmite individualmente os bens do acervo hereditário. O arrolamento é um procedimento mais simples de inventário.
Existe a possibilidade de se resolver a herança sem inventário, por meio de alvará judicial, quando houver pequenas quantias depositadas com conta-corrente, caderneta de poupança ou fundos de investimentos, ou quando a herança tiver origem em saldo de salários, restituição de IR e FGTS (Decreto n. 85.845/81).
Há ainda a possibilidade de se ingressar com inventário negativo, para se obter uma declaração de que não existem bens a serem inventariados. Seu objetivo é evitar a sanção do art. 1.523, I, do CC.

quarta-feira, 21 de março de 2012

"Editão"



Quanto tempo não escrevo nada de pessoal neste espaço. Pois bem, retorno à carga!

*
Em primeiro lugar quero dizer aos prezados alunos do sétimo período que fiquei feliz demais em vê-los na cerimônia de “posse”. Se for para ser possuído que seja em alto estilo e foi isso que vi. Pessoas que estão passando de um espaço escuro do quase para a segurança do saber. Espero vê-los felizes. Sucesso é felicidade!

* *

Todos os dias em sala pergunto-me qual é a estratégia de vida dos meus colegas ouvintes. Será que comeram, que está tudo em ordem com seus entes queridos, se serei capaz de transmitir o que está em minha cabeça para a cabeça de quem me ouve. É impossível não deixar-se misturar por expressões e gestos, gostos e acenos, educações sinceras e por vezes a mais brutal apatia. Já fui um pretenso impermeável mas hoje vejo como o tempo passa e pesa sobre a cabeça de meus ouvintes como uma guilhotina pronta a afastar as idéias do corpo capaz de realizá-las. Sugiro "Cem Anos de Solidão" do Gabriel Garcia Márques. 

*

Enquanto não nos livramos das Mênades que infestam as faculdades sugiro um pouco de exercícios para saúde jurídica. No mais retorno às postagens cotidianas. 

Turma 402 - Continuação do estudo do contrato de Depósito - Sugiro a leitura dos artigos: 627 ao 652 do CC. E ainda uma visita ao site: 


Turma 502 - Estudaremos do art. 1229 ao 1233 do CC. Tenho esperanças de começarmos a matéria de USUCAPIÃO. Sugestão de leitura: 



LET´S PARTY!!

A. Sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro  acerca de contratos, julgue os itens que se seguem.
1.  Ante a impossibilidade de cumprimento obrigacional por causa de onerosidade excessiva, é lícito à parte prejudicada requerer judicialmente a revisão do contrato, podendo a outra parte opor-se a esse pedido, pleiteando a resolução do contrato sem pagamento de qualquer indenização.
2. A estipulação em favor de terceiro vincula pessoa que não foi parte no momento da formação do contrato, mas apenas em seu benefício. Assim, este terceiro pode adquirir vantagens, mas não, obrigações, tendo direito de exigir o adimplemento da obrigação, nos termos do contrato, se a ele anuir e se o estipulante não o inovar.
3. Nos contratos paritários e de adesão, as partes podem estipular regras próprias de interpretação, pois as regras previstas na teoria geral dos contratos são de natureza supletiva, podendo ser afastadas por convenção.
4. Por serem as relações jurídicas de consumo regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), não é possível, em face do princípio da especialidade, a aplicação simultânea do Código Civil a essas relações. Ademais, os dois sistemas são excludentes, o que impede que qualquer dos contratantes, na interpretação do contrato, escolha a legislação que mais lhe beneficie.
5.  Ao interpretar subjetivamente uma cláusula contratual, é permitido ao juiz atribuir-lhe um significado não partilhado por nenhuma das partes, sob o argumento de aquele significado ser mais desejável do ponto de vista do interesse geral. Portanto, da interpretação judicial pode resultar a modificação da intenção real das partes, visando resguardar o princípio da conservação do contrato.

B. A respeito dos negócios jurídicos, julgue os itens a seguir.
6. O instituto da conversão traduz o princípio da conservação dos atos negociais e acarreta nova qualificação do negócio jurídico, desde que não haja vedação legal. Entretanto, para que ocorra a conversão de um negócio jurídico nulo em outro de natureza diversa, faz-se necessário que o negócio reputado nulo contenha os requisitos do outro negócio e que a vontade manifestada pelas partes faça supor que, mesmo que tivessem ciência da nulidade do negócio realizado, estas teriam querido celebrar o negócio convertido.
7. Configura-se estado de perigo quando uma pessoa, por inexperiência ou sob premente necessidade, obriga-se a prestação desproporcional entre as prestações, gerando um lucro exagerado ao outro contratante. Nessa situação, é lícito que essa pessoa demande a nulidade do negócio jurídico, dispensando-se a verificação de dolo ou má-fé da parte adversa.
8. O negócio jurídico concluído pelo representante legal em conflito com interesses do representado é anulável se o representante tiver celebrado o negócio com terceiro que tenha, ou devesse ter, conhecimento de tal conflito, o que caracterizaria a sua má-fé.
C. A respeito do direito das coisas, julgue os seguintes itens.
9. Na ação de usucapião, a sentença não é requisito formal à aquisição da propriedade pela prescrição aquisitiva. Tendo feição meramente declaratória, a sentença serve para formalizar a existência do direito do possuidor e serve, principalmente, como título para ser levado à transcrição no registro imobiliário.
10. A preferência de pagamento das hipotecas entre vários credores hipotecários se dá pela ordem de vencimento do título constitutivo, ou seja, paga-se integralmente ao credor hipotecário cujo título vença primeiro. Após satisfeito o primeiro credor, paga-se ao segundo, e, posteriormente, ao terceiro, conforme a ordem cronológica do vencimento do título.
11. Considere que Maria seja legítima possuidora e detentora do direito real de habitação do imóvel destinado à residência de sua família. Considere, ainda, que tal imóvel foi alienado a terceiro e que foi concedido a Maria seu usufruto vitalício. Nessa situação, se Maria renunciar ou alienar a terceiros o direito real de usufruto de que dispõe sobre o bem, perderá o direito de habitação, por ser o usufruto direito mais abrangente e superior, alcançando o direito de habitação, exceto se este estiver devidamente registrado no cartório de registro de imóveis.

sexta-feira, 9 de março de 2012

EMPRÉSTIMO


EMPRÉSTIMO
Introdução
O contrato de empréstimo é aquele pelo qual o tomador recebe a coisa com a obrigação de devolvê-la ao emprestador. O código Civil vigente, como fazia o Código Civil de 1916, distingue dois tipos de empréstimo: o empréstimo com finalidade de consumo e o empréstimo com finalidade de uso.
Assim, temos a distinção entre o mútuo e o comodato. Diferem pelo objeto, mas possuem estruturas jurídicas muitos próximas e finalidade negocial idêntica. Estudemos, pois, primeiramente o comodato e depois o mútuo, na ordem em que os contratos estão dispostos no atual Código Civil.
COMODATO
Definição e características
O comodato é o empréstimo de uma coisa infungível, para ser usada pelo tomador e depois restituída ao proprietário, que a emprestou. É o empréstimo de uso, como descrevemos acima.
Este contrato esta disciplinado no Código Civil nos arts. 579 a 585, sendo que o art. 579 define o contrato de comodato como o empréstimo gratuito de coisas fungíveis e que se perfaz com a tradição do objeto.
Desta forma, com esta definição o legislador traz as características básicas do contrato de comodato. É um contrato unilateral porque somente o tomador, comodatário, tem obrigações, apesar de serem necessárias as manifestações de vontade do comodante e do comodatário.
É um contrato gratuito por expressa disposição legal, como vimos do art. 579 do CC vigente. Constitui-se em uma cessão sem contraprestação prevista. O comodatário pode até assumir um encargo de pequena monta, mas isto não descaracteriza o comodato. Somente se houver uma contraprestação, correspondente à cessão é que podemos pensar que nesta hipótese há uma locação, por exemplo, e não comodato.
O comodato é um contrato não solene porque não há forma prescrita em lei, podendo este empréstimo ser feito até verbalmente. Contudo, é um contrato real, porque não basta o acordo de vontades, é necessária a tradição ou efetiva entrega da coisa.
É um contrato intuitu personae, é um empréstimo feito com características pessoais, não podendo o comodatário cedê-la, a qualquer título, a terceiros. É, outrossim, temporário, posto que o empréstimo terá prazo determinado ou será indeterminado, mas terá seu termo final quando o comodatário tiver esgotado seu uso.
O objeto do contrato é coisa infungível. Existem coisas que sua própria natureza não são fungíveis, consumíveis pelo uso. Este é o objeto, por excelência, do comodato. Contudo, há coisas que se usadas seriam consumidas, mas as partes, por convenção, as tornam infungíveis. Assim, uma garrafa de bebida rara, em tese, por mais incomum que seja, é consumível, mas pode ser cedida em comodato se as partes concordarem que seu uso não será para consumo, mas somente para enfeitar uma mesa para uma fotografia de revista. É o commodatum pompae vel ostentationis causa, ou comodato para mera ornamentação ou exibição.
Ainda quanto ao objeto, não podem ser objeto de comodato, sem autorização especial, judicial, os bens dos incapazes que estão sob a guarda de tutores ou curadores (art. 580, CC).
Somente o comodatário tem obrigações, diante da unilateralidade do contrato, que são as seguintes:
a)      Conservar a coisa como se própria fosse, usando-a de forma adequada à sua finalidade. O comodatário que está na posse direta da coisa tem o dever de cuidar desta, a fim de que não haja perecimento indevido (art. 582 CC).
Ousaríamos dizer que o comodatário tem o dever de zelar pela coisa com mais cuidado do que zelaria por seus pertences. Isto porque o art. 583 do CC impõe o dever legal do comodatário de, estando em igual risco coisas próprias e a coisa em comodato, tentar salvar a coisa pertencente ao comodante em primeiro lugar.
Caso tente salvar primeiro suas próprias coisas e abandonar a pertencente ao comodante, responderá pelos danos que esta sofrer, mesmo que sejam causados por caso fortuito ou força maior (art. 583).
b)      Abster-se de ceder a coisa a terceiros, posto que o uso pessoal e adequado somente pode ser feito pelo comodatário (art. 582). O uso inadequado da coisa, por si ou por terceiros, dá causa à resolução do contrato pelo comodante e eventuais perdas e danos.
c)       Restituir a no prazo convencionado ou depois da utilização pelo tempo considerado necessário (art. 581). O comodante não pode interromper o uso e o gozo da coisa pelo prazo avençado ou necessário para o comodatário. Somente se o comodante demonstrar em juízo necessidade imprevista e urgente poderá demandar a restituição imediata da coisa (art.582).
Caso interpelado e o comodatário não devolva a coisa, estará em mora e responderá pelos danos causados à coisa e seu perecimento, inclusive por caso fortuito ou força maior.
d)      Arcar com as despesas feitas no uso e gozo da coisa. Como o comodato somente beneficia o comodatário, quaisquer despesas efetuadas para a manutenção da coisa ou utilização devem por este ser arcadas, não se cogitando em nenhuma hipótese de responsabilização do comodante (art. 584).
Extinção do contrato
O comodato extingue-se pelo advento do termo ou pela utilização da coisa de acordo com a finalidade para que foi emprestada; por iniciativa do comodante em resolução do contrato por mau uso ou uso inadequado pelo comodatário da coisa; por sentença judicial que reconheça a urgência e a necessidade do comodante em usar a coisa e por morte do comodatário, já que este é um contrato intuitu personae.
MÚTUO

Definição e característica
O mútuo é o empréstimo de consumo de coisas fungíveis. O mutuante empresta a coisa ao mutuário, transferindo-lhe a propriedade, com a condição de que o mutuário devolva o que recebeu no mesmo gênero, quantidade e qualidade (art. 586).
É um contrato unilateral, posto que somente há obrigações para o mutuário, e não solene, pois não há forma específica para sua celebração, podendo ser verbal. É contrato real, só se perfaz com a tradição da coisa, por fim, temporário por ter prazo determinado ou determinável.
A partir da tradição, diferentemente do comodato, o mutuário tem o domínio e a livre disposição da coisa, correndo por sua conta todos os riscos da coisa desde a tradição (art.587).
O mútuo pode ser gratuito ou oneroso. O mútuo é tratado, no CC, como uma obrigação gratuita. Contudo, é previsto o mútuo de dinheiro, e sua finalidade econômica (art. 591).
Com relação ao mútuo com fins econômicos – em geral o empréstimo de dinheiro –, presumem-se devidos os juros legais estipulados pelo art. 406, que são os juros praticados pela Fazenda Pública na cobrança de tributos que lhe são devidos. Ainda é permitida a capitalização anual desses juros (art. 591).
A única obrigação do mutuário é devolver aquilo que recebeu no mesmo gênero, quantidade e qualidade. Assim, como um gênero nunca perece, não há que se falar em perecimento da coisa ou das consequências do caso fortuito ou força maior. Sempre será possível, então a devolução.
Poderá o mutuário ter a obrigação acessória de prestar garantia ao mutuante, caso durante a execução do contrato se torne sabida e notória a mudança de sua situação econômica, com consequente diminuição patrimonial (art. 590).
Os prazos para devolução estão previstos no art. 592. Na falta de disposição pelos contratantes, presumem-se até a próxima colheita o prazo de empréstimo de produtos agrícolas para consumo ou semeadura; de no mínimo trinta dias se o objeto for dinheiro, sendo o tempo declarado pelo mutuante, no caso de qualquer outra coisa fungível.
Por fim, quanto ao mútuo tomado por menores, sem autorização de seu guardião, não poderá ser cobrado ou reavido do mutuário menor ou dos fiadores (art.588) exceto se: o representante legal ratificar posteriormente o ato praticado (art.589, I); se o menor contraiu o mútuo para adquirir seus alimentos habituais na ausência de seu representante legal (art. 589, II); o menor tiver economia própria, derivada de seu trabalho, tendo a execução como limite as forças de seu patrimônio (art. 589, III); se o menor se beneficiou do empréstimo (art. 589, IV) ou se o menor utilizou-se de sua condição, maliciosamente, para não cumprir com a obrigação de devolução (art. 589, V).
Extinção
O mútuo extingue-se pelo advento do termo (592); por distrato acordado; por resilição unilateral do devedor, desde que entregue a prestação devida; a qualquer momento por inadimplemento do mutuário, por iniciativa do mutuante.