domingo, 30 de setembro de 2012

302 - Questões da sala.


Questões

1. Dentre as afirmativas abaixo, indique aquela que apresenta um enunciado correto:
a) a lei não permite que nos contratos solenes, as partes, antes da assinatura, se arrependam validamente, visto que tais convenções não se aperfeiçoam com a observância de todas as formalidades legais;
b) o aceitante não poderá arrepender-se, mesmo que sua retratação chegue ao conhecimento do ofertante antes da aceitação ou juntamente com ela;
c) arras vêm a ser a entrega de dinheiro ou outra coisa infungível, dada por um dos contratantes ao outro, para não concluir o contrato ou eximir-se da evicção;
d) há presunção legal da responsabilidade do alienante por vício redibitório, mesmo que seja por ele ignorado. Salvo se constar cláusula expressa prescrevendo a irresponsabilidade do devedor por defeito oculto por ele desconhecido.

2. Pela teoria da imprevisão:
a) a onerosidade excessiva, oriunda de evento extraordinário e imprevisível, que dificulta extremamente o adimplemento da obrigação de uma das partes, é motivo de resolução contratual, por se considerar subentendida a cláusula rebus sic stantibus.
b) a dissolução do vínculo contratual apenas se dará se deliberada por ambos os contraentes.
c) permite-se a revisão do contrato por onerosidade excessiva em razão de fato superveniente, nãose exigindo a imprevisibilidade e extraordinariedade.
d) não se permite revisão judicial do contrato ante o princípio da autonomia da vontade, que deverá, então, prevalecer.

3. As transformações ocorridas e que passaram a orientar modernamente o direito das obrigações e dos contratos não são congruentes com:
a) a função social do contrato, que impõe o alargamento da esfera da responsabilidade dos contratantes para compreender situações nas quais pode haver prejuízo a terceiros;
b) a intangibilidade do conteúdo dos contratos, em razão da qual não se concede ao juiz, em atenção à autonomia da vontade, o poder de revisão para restaurar o equilíbrio rompido ou para liberar o devedor;
c) a adoção das chamadas "cláusulas gerais", dentre as quais se situam os princípios da proporcionalidade e da lealdade e confiança recíprocas;
d) a ampliação do dever de indenizar independentemente de culpa.

4. São os seguintes os princípios introduzidos pelo atual Código Civil no direito contratual brasileiro:
a)dignidade da pessoa humana, função social do contrato; boa-fé objetiva e justiça contratual;
b)autonomia das vontades das partes, força vinculante do contrato e igualdade das partes contratantes;
c)igualdade das partes, efeitos do contrato somente em relação às partes contratantes e "pacta sunt servanda";
d)função social do contrato, boa-fé objetiva, autonomia das vontades das partes e intangibilidade do conteúdo do contrato;

5. Com relação à teoria contratual é correto afirmar:
a)liberdade contratual é plena, ao passo que a liberdade de contratar é limitada;
b)a resolução por onerosidade excessiva não se verifica nos contratos de execução continuada ou diferida;
c)Exceptio non adimpleti contractus é cláusula resolutiva expressa;
d)a cláusula rebus sic stantibus é motivo legal para resolução contratual.
6.Em contrato oneroso, convencionam as partes excluir a garantia da evicção. Verificada a evicção, e apesar da cláusula excludente, o evicto
a) pode cobrar apenas despesas de conservação da coisa.
b) pode recobrar apenas as despesas dos contratos e dos prejuízos que foi obrigado a indenizar.
c) pode cobrar apenas as custas e despesas.
d) pode recobrar o preço que pagou pela coisa, provando que não soube do risco, ou, se dele informado, não o assumiu.

7. Contrato real é o que:
a) tem por objeto coisa imóvel.
B) visa à transmissão da propriedade.
c) só se perfaz com a tradição do objeto.
d) visa conferir direito real de garantia
e) se perfaz com o simples acordo de vontades entre as partes




Gabarito:
1d 2a 3b 4a 5d 6d 7c

terça-feira, 4 de setembro de 2012

302 - RESUMO DE MATÉRIA IV (não precisa imprimir)




1. Garantias contratuais

1.1. Dos Vícios Contratuais

Vícios Contratuais são aqueles que atingem a coisa que foi adquirida, não se confundindo com os vícios do negócio jurídico, que atingem a vontade (como o erro e dolo, por exemplo).
Os vícios contratuais podem ser:
a) vícios redibitórios (previstos no Código Civil)
b) vícios do produto ou serviço (previstos no Código de Defesa do Consumidor).
Vício Redibitório é um vicio oculto que torna a coisa imprópria para o uso a que se destina, ou lhe diminui o valor, e que tenha sido adquirida por contrato comutativo (aquele em que as partes já sabem qual será prestação) ou por doação onerosa (arts. 441 a 446).
O art. 540 do CC contempla dois tipos de doação onerosa: doação remuneratória, aquela feita em remuneração a serviço prestado, e doação modal ou mediante encargo, aquela onde a parte deve cumprir com um ônus jurídico.
Existindo vícios redibitórios, podem ser propostas as ações edilícias:
1) ação estimatória ou quanti minoris – que é  aquela em que se busca o abatimento no preço pago pela coisa viciada;
2) ação redibitória – que é aquela em que se busca a extinção do contrato mais perdas e danos. As perdas e danos dependem da provada má-fé do alienante.
Os prazos descritos no art. 445 do CC para a propositura das referidas ações são de:
 - trinta dias se o bem for móvel;
- um ano se o bem é imóvel.
Em ambos os casos o prazo é contado da entrega efetiva do bem (tradição).
Essa forma de contagem do prazo em muitos casos pode ser injusta, motivo pelo qual o citado artigo estabelece duas exceções a esta regra: se a pessoa já estava na posse, o prazo se conta da alienação, reduzindo-o à metade; se o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido posteriormente, conta-se o prazo do seu conhecimento, até o máximo de cento e oitenta dias para bens móveis e um ano para bens imóveis.
Conforme mencionado no referido artigo, os citados prazos são decadenciais, já que as ações edilícias são predominantemente desconstitutivas (Enunciado 28 do CJF – “Art. 445 (§§ 1º e 2º): o disposto no art. 445, §§ 1º e 2º, do Código Civil reflete a consagração da doutrina e da jurisprudência quanto à natureza decadencial das ações edilícias”).
A decadência, em regra, não se suspende ou interrompe, porém o art. 207 do CC estabelece que isso pode acontecer se houver previsão legal especifica. No art. 446 há uma causa impeditiva da decadência, pois na fluência de cláusula de garantia descrita em contrato não corre o prazo descrito na lei, desde que o adquirente, em trinta dias do aparecimento do vício oculto, denuncie a sua existência para o alienante.
1.2. Da Evicção
A evicção encontra-se descrita nos arts. 447 a 457 do CC, e pode se conceituada como a perda da coisa, adquirida em contrato oneroso, por força de decisão judicial, ou apreensão administrativa (STJ, REsp 259.276/RJ), mesmo se adquirida em hasta pública.
São partes do contrato de evicção: o evicto ou evencido, é a pessoa que perde a coisa; o alienante, é a pessoa que transferiu a coisa que foi perdida ao evicto; e o evictor ou evencente, pessoa que ganha a coisa por decisão judicial.
A responsabilidade pela evicção decorre de lei, não necessitando de previsão contratual expressa para se ter esta garantia.
Podem, porém, as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir tal responsabilidade, consoante o art. 448 do CC, exceto em contrato de adesão, por força do art. 424.
Quanto ao reforço da responsabilidade pela evicção, o valor máximo aceito pela doutrina será o dobro do valor da coisa.
A cláusula que diminui ou exclui a responsabilidade pela evicção recebe o nome de non praestaenda evictione.
O pacto que afasta a responsabilidade pelos prejuízos da evicção nem sempre afasta a necessidade de se devolver o valor da coisa, mas tão somente exonera o pagamento das perdas e danos.
Para melhor entendermos a questão, citamos as fórmulas criadas por Washington de Barros Monteiro:
1ª) cláusula expressa excluindo a responsabilidade pela evicção + ciência especifica do risco por quem adquire = isenção total da responsabilidade pelo alienante.
Neste caso, o alienante não terá que devolver o valor ou pagar perdas e danos;
2ª) cláusula expressa + ignorância do risco ou não tê-lo assumido = responsabilidade limitada ao preço da coisa (exclui benfeitorias e perdas e danos).
3ª) omissão da cláusula  = responsabilidade total do alienante, haja vista a existência de uma garantia legal (art. 450).
Considerando que a evicção pode ser total ou parcial, passaremos a analisar as regras quanto à evicção parcial.
Evicção parcial é aquela que gera uma perda inferior a 100%. O CC trabalha com duas hipóteses: evicção parcial considerável (de 50 a 99%) e evicção parcial não considerável (de 1 a 49%).
Se a evicção for considerável, pode ser pedida a extinção do contrato mais perdas e danos ou o valor do desfalque mais perdas e danos.
Para se exercitar o direito decorrente de evicção, o adquirente deverá denunciar à lide o alienante, conforme se verifica dos arts. 456 do CC e 70, I, CPC. Este é mesmo entendimento do enunciado 29 do CJF (Art. 456: a interpretação do art. 456 do novo Código Civil permite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício).
A jurisprudência, entretanto, vem entendendo não ser obrigatória a denunciação da lide (STJ, REsp 132.258/RJ), posição com a qual concordo, haja vista que o objetivo da denunciação é facilitar a forma de se obter o ressarcimento pelo denunciante e não retirar do denunciado o livre acesso ao Poder Judiciário.




(CC)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

302 - RESUMO DE MATÉRIA III (já entreguei a cópia em sala)

 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO


1. CONTRATOS CONSIDERADOS EM SI MESMOS:

1.1. QUANTO À NATUREZA DA OBRIGAÇÃO ENTABULADA:

1.1.1. CONTRATOS UNILATERAIS E BILATERAIS.

Serão unilaterais se, uma só das partes assumir obrigações em face da outra; p.ex.: comodato, mútuo, mandato, depósito etc.
Serão bilaterais se cada contraente for credor e devedor do outro, produzindo direitos e obrigações para ambos. (CC, arts. 476 e 477); p.ex.: compra e venda, troca, locação etc.

1.1.2.CONTRATOS ONEROSOS E GRATUITOS.

Os onerosos são aqueles que trazem vantagens para ambos os contratantes, que sofrem um sacrifício patrimonial correspondente ao proveito almejado; p.ex.: locação.
Os gratuitos oneram somente uma das partes, proporcionando à outra uma vantagem, sem qualquer contraprestação; p.ex.: doação pura e simples.

1.1.3. CONTRATOS COMUTATIVOS E ALEATÓRIOS.

Os comutativos são aqueles em que cada contraente, além de receber do outro prestação relativamente equivalente à sua, pode verificar, de imediato, esta equivalência; p.ex.: compra e venda.
Os aleatórios são aqueles em que a prestação de uma ou de ambas as partes depende de um risco futuro e incerto, não se podendo antecipar o seu montante (CC, artigos 458 a 461); p.ex.: rifa, bilhete de loteria, seguro etc.

1.1.4. CONTRATOS PARITÁRIOS E CONTRATOS POR ADESÃO.

Os paritários são aqueles em que os interessados, colocados em pé de igualdade, ante o princípio da autonomia da vontade, discutem, na fase da puntuazione, os termos do ato negocial, eliminando os pontos divergentes mediante transigência mútua.
Os contratos por adesão são aqueles em que a manifestação de vontade de uma das partes se reduz a mera anuência a uma proposta da outra, como nos ensina R.Limongi França; p.ex.: contrato de transporte, de fornecimento de gás etc.

1.2. QUANTO À FORMA:

1.2.1. CONTRATOS CONSENSUAIS, CONTRATOS REAIS E CONTRATOS SOLENES:

Contratos consensuais se perfazem pela simples anuência das partes, sem necessidade de outro ato; p.ex.: locação, parceria rural etc.
Contratos reais são aqueles que se ultimam com entrega da coisa, feita por um contraente a outro. P.ex.: comodato, depósito, mútuo, arras.
Contratos solenes consistem naqueles para os quais a lei prescreve, para sua celebração, forma especial; p.ex.: compra e venda de imóvel (CC, artigos 108 e 1245).

1.3. QUANTO Á SUA DENOMINAÇÃO:

1.3.1. CONTRATOS NOMINADOS.

Contratos nominados abrangem as espécies contratuais que tem nomen iuris e servem de base à fixação dos esquemas, modelos ou tipos de regulamentação específica da lei. P.ex.; compra e venda, permuta, doação, locação, empréstimo, parceria rural etc.

1.3.2. CONTRATOS INOMINADOS:

São os que se afastam do modelo legal, pois não são disciplinados ou regulados expressamente pelo Código Civil ou por lei extravagante, porém são permitidos juridicamente, desde que não contrariem a lei e os bons costumes, ante o principio da autonomia da vontade e a doutrina do numero apertus  em que se desenvolvem as relaççoes contratuais; p.ex.: contrato sobre a exploração de lavoura de café (RT, 513:257-9), cessão de clientela, contrato de locação de caixa forte etc.

1.4. QUANTO AO OBJETO:

. Contratos de alienação de bens.
. Contratos de transmissão de uso e gozo.
. Contratos de conteúdo especial.

1.5. QUANTO AO TEMPO DE EXECUÇÃO:

1.5.1. CONTRATOS DE EXECUÇÃO IMEDIATA.

São aqueles que se esgotam em um só instante, mediante uma única prestação; p.ex.: troca, compra e venda a vista.

1.5.2. CONTRATOS DE EXECUÇÃO CONTINUADA.

Ocorrem quando a prestação de um ou de ambos os contraente se dá a termo; p.exe.: compra e venda a prazo. Tais contratos, como ensina Caio Mário da Silva Pereira, são os que sobrevivem com a persistência da obrigação, muito embora ocorram soluções periódicas, até que, pelo implemento de uma condição ou decurso de um prazo, cessa o próprio contrato. P.ex.: locação de coisa, prestação de serviços e contrato de fornecimento de matéria prima.

1.6. QUANTO À PESSOA DO CONTRATANTE:

1.6.1. CONTRATOS PESSOAIS.

São aqueles em que a pessoa do contratante é considerada pela outro como elemento determinante de sua conclusão.

1.6.2. CONTRATOS IMPESSOAIS:

São aqueles em que a pessoa do contratante é juridicamente indiferente.


2. CONTRATOS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS:

2.1. CONTRATOS PRINCIPAIS:

São os que existem por si, exercendo sua função e finalidade, independente de outro.

2.2. CONTRATOS ACESSÓRIOS:

São aqueles cuja existência jurídica supõe a do principal, pois visa assegurar sua execução; p.exe. fiança.



(EXTRAÍDO DA OBRA DE MARIA HELENA DINIZ)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

RESUMO DE MATÉRIA II - 302


FORMAÇÃO DO CONTRATO

1. ELEMENTOS INDISPENSÁVEIS À CONSTITUIÇÃO DO CONTRATO
. Acordo de vontades das partes contratantes, tácito ou expresso, que se manifesta de um lado pela oferta e de outro pela aceitação. A proposta e a aceitação são elementos indispensáveis à formação do contrato, e entre elas gira toda a controvérsia sobre a força obrigatória do contrato, sobre o momento exato em que ambas se fundem para produzir a relação contratual, e sobre o lugar em que se reputara celebrado o negócio jurídico.

2. FASES DA FORMAÇÃO DO VINCULO CONTRATUAL

2.1. Negociações preliminares
. Consistem nas conversações prévias, sondagens e estudos sobre os interesses de cada contraente, tendo em vista o contrato futuro, sem que haja qualquer vinculação jurídica entre os participantes, embora excepcionalmente surja responsabilidade civil no campo da culpa aquiliana.

2.2. Proposta

2.2.1. Conceito

. A oferta ou proposta é uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa à outra (com quem pretende celebrar um contrato), por força da qual a primeira manifesta sua intenção de se considerar vinculada, se a outra parte aceitar.

2.2.2. Caracteres

. É a declaração unilateral de vontade, por parte do proponente.
. Reveste-se de força vinculante em relação ao que a formula, se contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso (CC, arts. 427 e 428).
. É um negócio jurídico receptício.
. Deve conter todos os elementos essenciais do negócio jurídico proposto.
. É elemento inicial do contrato, devendo ser, por isso, séria, completa, precisa e inequívoca.

2.2.3. Obrigatoriedade

. A obrigatoriedade da oferta consiste no ônus, imposto ao proponente, de não a revogar por um certo tempo a partir de sua existência, sob pena de ressarcir perdas e danos, subsistindo até mesmo em face da morte ou incapacidade superveniente do proponente antes da aceitação, salvo se outra houver sido a sua intenção. Porém, essa sua força vinculante não é absoluta, pois o CC, arts. 427 e 428, I a IV, reconhece alguns casos em que deixará de ser obrigatória.

2.3. Aceitação

2.3.1. Definição

. A aceitação é a manifestação da vontade, expressa ou tácita, da parte do destinatário de uma proposta, feita dentro do prazo, aderindo a esta em todos os seus termos, tornando o contrato definitivamente concluído, desde que chegue, oportunamente, ao conhecimento do ofertante.

2.3.2. Requisitos

. Não exige obediência a determinada forma, salvo nos contratos solenes, podendo ser expressa ou tácita (CC, art. 432)
. Deve ser oportuna (CC art. 430 e 431).
. Deve corresponder a uma adesão integral à oferta.
. Deve ser conclusiva e coerente.

2.4. Aceitação nos contratos inter praesentes

. Se o negócio for entre presentes, a oferta poderá estipular ou não prazo para a aceitação. Se não contiver prazo, a aceitação deverá ser manifestada imediatamente, e, se houver prazo, deverá ser pronunciada no termo concedido.

2.5. Aceitação nos contratos inter absentes

. Se o contrato for entre ausentes, existindo prazo, este deverá ser observado, mas se a aceitação se atrasar, sem culpa do oblato, o proponente deverá dar ciência do fato ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos (CC, art. 430). Se o ofertante não estipulou qualquer prazo, a aceitação deverá ser manifestada dentro do tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente.

2.6. Retratação do aceitante

. O aceitante poderá arrepender-se, desde que sua retratação chegue ao conhecimento do ofertante antes da aceitação ou juntamente com ela.

3. MOMENTO DA CONCLUSÃO DO CONTRATO

3.1. Contrato entre presentes

. Neste contrato as partes encontrar-se-ão vinculadas no mesmo instante em que o oblato aceitar a oferta; só então o contrato começara a produzir efeitos jurídicos.

3.2. Contrato entre ausentes

. Segundo a teoria da agnição ou declaração, na sua segunda modalidade, isto é, da expedição, a que se filiou nosso CC, no art. 434, os contratos por correspondência epistolar ou telegráfica tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, desde que não se apresentem as exceções do art. 434, II e III, hipóteses em que se aplica a teoria da recepção.


(Extraído da obra de Maria Helena Diniz)

FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO


MIGUEL REALE


                   Um dos pontos altos do novo Código Civil está em seu Art. 421, segundo o qual “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
                   Um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que “atenderá a sua função social”. Ora, a realização da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade.
                   Essa colocação das avenças em um plano transindividual tem levado alguns intérpretes a temer que, com isso, haja uma diminuição de garantia para os que firmam contratos baseados na convicção de que os direitos e deveres neles ajustados serão respeitados por ambas as partes.
                   Esse receio, todavia, não tem cabimento, pois a nova Lei Civil não conflita com o princípio de que o pactuado deve ser adimplido. A idéia tradicional, de fonte romanista, de que “pacta sunt servanda” continua a ser o fundamento primeiro das obrigações contratuais.
                   Pode-se dizer que a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2.002 veio reforçar ainda mais essa obrigação, ao estabelecer, no Art. 422, que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
                   No quadro do Código revogado de 1916, a garantia do adimplemento dos pactos era apenas de ordem jurídica, de acordo com o entendimento pandectista de que o direito deve ter disciplinado tão somente mediante categorias jurídicas, enquanto que atualmente não se prescinde do que eticamente é exigível dos que se vinculam em virtude de um acordo de vontades.
                   O que o imperativo da “função social do contrato” estatui é que este não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte contrária ou a terceiros, uma vez que, nos termos do Art. 187, “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
                   Não há razão alguma para se sustentar que o contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da jurisprudencial e da consuetudinária.
                   O ato de contratar corresponde ao valor da livre iniciativa, erigida pela Constituição de 1988 a um dos fundamentos do Estado Democrático do Direito, logo no Inciso IV do Art. 1º, de caráter manifestamente preambular.
                   Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato uma função social, a fim de que  ele seja concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público.
                   Como uma das formas de constitucionalização do Direito Privado, temos o § 4º do Art. 173 da Constituição, que não admite negócio jurídico que implique abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
                   Esse é um caso extremo de limitação do poder negocial, não sendo possível excluir outras hipóteses de seu exercício abusivo, tão fértil é a imaginação em conceber situações de inadmissível privilégio para os que contratam, ou, então, para um só deles.
                   É em todos os casos em que ilicitamente se extrapola do normal objetivo das avenças que é dado ao juiz ir além da mera apreciação dos alegados direitos dos contratantes, para verificar se não está em jogo algum valor social que deva ser preservado.
                   Como se vê, a atribuição de função social ao contrato não vem impedir que as pessoas naturais ou jurídicas livremente o concluam, tendo em vista a realização dos mais diversos valores. O que se exige é apenas que o acordo de vontades não se verifique em detrimento da coletividade, mas represente um dos seus meios primordiais de afirmação e desenvolvimento.
                   Por outro lado, o princípio de socialidade atua sobre o direito de contratar em complementaridade com o de eticidade, cuja matriz é a boa-fé, a qual permeia todo o novo Código Civil. O ilustre jurista Ministro Almir Pazzianotto Pinto teve o cuidado de verificar que ele alude à boa-fé em nada menos de 53 artigos, recrimininando a má-fé em 43.
                   Isto posto, o olvido do valor social do contrato implicaria o esquecimento do papel da boa-fé na origem e execução dos negócios jurídicos, impedindo que o juiz, ao analisá-los, indague se neles não houve o propósito de contornar ou fraudar a aplicação de obrigações previstas na Constituição e na Lei Civil.
                   Na elaboração do ordenamento jurídico das relações privadas, o legislador se encontra perante três opções possíveis: ou dá maior relevância aos interesses individuais, como ocorria no Código Civil de 1916, ou dá preferência aos valores coletivos, promovendo a “socialização dos contratos”; ou, então, assume uma posição intermédia, combinando o individual com o social de maneira complementar, segundo regras ou cláusulas abertas propícias a soluções eqüitativas e concretas. Não há dúvida que foi essa terceira opção a preferida pelo legislador do Código Civil de 2.002.
                   É a essa luz que deve ser interpretado o dispositivo que consagra a função social do contrato, a qual não colide, pois, com os livres acordos exigidos pela sociedade contemporânea, mas antes lhes assegura efetiva validade e eficácia

Polêmica do art. 1859


Art. 1859
“Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data de seu registro.”

. Não se pode questionar a validade do testamento em vida do testador. O testamento é negócio jurídico mortis causa. Somente com a abertura da sucessão é que a alegada invalidade do testamento pode ser apresentada.

. Este artigo estabelece prazo de caducidade, portanto, prazo de decadência (art. 207 e s.), para que seja impugnada a validade do testamento.

. Como a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir: o prazo de caducidade se aplica tanto ao caso de nulidade como anulabilidade. A invalidade é o gênero, que comporta as duas espécies (arts. 166 e 171), e não deve ser confundida com a revogação (arts. 1969 a 1972), a caducidade (art. 1971) e o rompimento do testamento (arts. 1973 a 1975).

. Tratando-se de testamento nulo, o dispositivo abre exceção ao principio da teoria geral do negocio jurídico, de que a nulidade não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169). Mesmo que eivado de nulidade, o testamento não pode mais ser atacado se a ação não for apresentada em cinco anos, contado o prazo do registro do testamento.

. Lembre-se do que disse em sala: O registro do testamento, que determina o termo inicial para contagem do quinquênio, dá-se, é claro, após a morte do testador, com a apresentação do testamento ao juiz e cumpridos os requistos legais (CPC, arts. 1.126, 1.128, 1.133 e 1.134).

. Adiante, no art. 1909, o Código afirma que são anuláveis as disposições testamentarias inquinadas de erro, dolo, coação, e o parágrafo único desse artigo prevê: “Extingue-se em quatro anos o direito de anular a disposição, contados de quando o interessado tiver conhecimento do vicio”.

. Como se vê, o prazo para que a ação seja interposta, no caso de anulabilidade da disposição testamentária, é elástico, não tem termo inicial rígido, certo e, embora possa servir melhor ao interesse puramente individual, não convém à sociedade, pois introduz um fator de insegurança jurídica. O testamento é negocio jurídico mortis causa, que tem eficácia quando o seu autor já não mais esta presente. Manter a possibilidade de questionar e atacar uma disposição, por vício de vontade que teria sofrido o testador, e isso por um tempo variável, indeterminado, tornando instável e vacilante o processo de transmissão hereditária, com certeza, não é de melhor política legislativa.

. Pode ocorrer, inclusive, em muitos casos, que o prazo para anular a mera disposição testamentária – portanto, para anular parcialmente o testamento – seja maior, e muito maior do que o prazo para arguir a anulação ou para declarar a nulidade do testamento inteiro. A nulidade pode ser total ou parcial, fulminar todo o testamento, ou parte dele, ocorrendo o mesmo com a anulabilidade (art. 184). Pode ser nula, ou anulável, apenas uma clausula somente uma disposição do testamento.

. Como esta posto, a anulação da disposição testamentária, cuja ação é cabível a partir do momento em que o interessado tiver conhecimento do vício, pode ocorrer num prazo variável, algumas vezes extremamente longo, ocorrendo, eventualmente, muito depois da própria execução da disposição testamentária. Isso gera instabilidade, e não é bom. Um testamento nulo, p. ex., não pode mais ter a validade impugnada depois de cinco anos do seu registro. Mas uma disposição que ele contém, sob argumento de que o testador errou, deliberou mediante dolo, ou foi vitima de coação, pode ser anulada muito depois daquele prazo, pois a decadência do direito de atacar a disposição começa a ser contada de “quando o interessado tiver conhecimento do vício”.

. A solução não é lógica, não é razoável. O tema carece de reforma, precisa ser ordenado, sistematicamente.

(Com base em Zeno Veloso.)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Turma 302 - Resumo de Matéria I


FONTES DAS OBRIGAÇÕES

1. Fonte mediata = fato humano (contrato, declaração unilateral de vontade e ato ilícito).
2. Fonte Imediata = Lei

FUNÇÃO DA TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

. Caracterizar o contrato, abrangendo nesse conceito todos os negócios jurídicos resultantes de acordo de vontades, de modo a uniformizar sua feição e excluir qualquer controvérsia, seja qual for o tipo de contrato, desde que se tenha acordo bilateral ou plurilateral de vontades.
. Verificar se o vinculo obrigacional decorrente do contrato resulta de lei.

CONCEITO E REQUISITOS DE VALIDADE DO CONTRATO

1. Conceito
. Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.
2. Requisitos (Art. 104, I, II e III)
. Subjetivos
a) Existência de duas ou mais pessoas.
b) Capacidade genérica para praticar os atos da vida civil.
c) Aptidão especifica para contratar.
d) Consentimento das partes contratantes.
. Objetivos
a) Licitude do objeto do contrato
b) Possibilidade física ou jurídica do objeto do negocio jurídico
c) Determinação do objeto do contrato
d) Economicidade do seu objeto
. Formais
CC, arts. 107 e 108

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONTRATUAL

1. Princípio da autonomia da vontade e o da função social do contrato
.Consiste no poder das partes de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica, envolvendo, alem da liberdade de criação do contrato, a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher o outro contratante e de fixar o conteúdo do contrato, limitadas pelo princípio da função social do contrato, pelas normas de ordem publica, pelos bons costumes e pela revisão judicial dos contratos.
2. Principio do consensualismo
. Segundo esse principio, o simples acordo de duas ou mais vontades basta para gerar contrato válido, pois a maioria dos negócios jurídicos bilaterais é consensual, embora alguns, por serem solenes, tenham sua validade condicionada à observação de certas formalidades legais.
3. Principio da obrigatoriedade da convenção
. Por esse principio, as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas, sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. O ato negocial, por ser uma norma jurídica, constituindo lei entre as partes, é intangível, a menos que ambas as partes o rescindam voluntariamente ou haja a escusa por caso fortuito ou força maior (CC, art. 393, parágrafo único), de tal sorte que não se poderá alterar seu conteúdo, nem mesmo judicialmente. Entretanto, tem-se admitido, ante o principio do equilíbrio contratual ou da equivalência material das prestações, que a força vinculante dos contratos seja contida pelo magistrado em certas circunstancias excepcionais ou extraordinárias que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação (Lei n. 8078/90, arts. 6º, V; CC, arts. 317, 479 e 480).
4. Principio da relatividade dos efeitos do contrato
. Por este principio, a avença apenas vincula as partes que nela intervieram, não aproveitando nem prejudicando terceiros, salvo raras exceções.
5. Principio da boa-fé objetiva
. Segundo esse principio, na intervenção do contrato, é preciso ater-se mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social de segurança das relações jurídicas, as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contrato. Daí estar ligado ao principio da probidade

(Maria Helena Diniz)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

402 e 702 - REVISÃO

REVISÃO PENDENTE. O AJUSTE SERÁ FEITO EM SALA DE AULA. OS E-MAILS SERÃO RESPONDIDOS. PRECISO APENAS DE TEMPO. VOCÊS DEIXAM TUDO PARA A ÚLTIMA HORA E ACABAM MATANDO O VELHINHO AQUI.
;)

ABRAÇO

Turma 502 - REVISÃO

Prezados,

Farei a revisão para a prova amanhã dia 29.

Abraço

502



Acerca dos direitos reais, julgue os itens abaixo:

I) A elasticidade, inerente aos direitos reais, estabelece a capacidade dos direitos reais de sofrerem compressões destinadas a constituição de direitos reais limitados;

II) A personificação jurídica dos condomínios edilícios, de acordo com o Código Civil, é a capacidade jurídica destes em contrair direitos e possuir obrigações na esfera civil;

III) Após a entrada em vigor do Código Civil, o direito real de superfície que substituiu a enfiteuse impede a constituição desta. De sua parte, o direito de superfície previsto no mesmo texto legislativo revogou o mesmo direito previsto no Estatuto das Cidades;

IV) As acessões podem ser físicas ou naturais, bem como artificiais ou industriais. Em relação às primeiras diz-se que são formas originárias de aquisição da propriedade; as segundas, modalidades derivadas de aquisição da propriedade.

São falsas as seguintes assertivas:

a) I e III;
b) I e IV;
c) II e III;
d) III e IV.
 
Assinale a assertiva correta.

(A) O usufruto é transmissível causa mortis.
(B) Adquire-se a propriedade móvel com o título translativo respectivo.
(C) Na hipoteca, garante a obrigação principal tudo que possa ser extraível da coisa hipotecada, como valor econômico.
(D) O princípio do numerus clausus, não é aplicável na área dos direitos reais.
(E) O direito de superfície é usucapível na forma da usucapião extraordinária.

O direito brasileiro oferece ampla tutela para os direitos sobre as coisas, disciplinando, inclusive, intervenções entre prédios. Considerando-se que as servidões prediais são restrições à propriedade, constituídas em favor de um prédio sobre outro, é CORRETO afirmar:
 a) a servidão não pode ser instituída em favor de parte ideal do prédio dominante ou incidir sobre parte ideal do prédio serviente.
 b) a servidão não aparente pode ser estabelecida por meio de permissão de passagem, sendo dispensável a transcrição no registro de imóveis.
 c) a servidão é obrigação do titular do domínio do imóvel serviente à prestação de fato negativo em favor do titular do imóvel dominante.
 d) nas servidões prediais, em razão da necessária relação entre si, é essencial a contiguidade entre prédios dominante e serviente.
O direito ao uso de coisa alheia constitui

 a) direito real que, a título gratuito ou oneroso, instituído por ato inter vivos ou causa mortis, permite ao usuário, temporariamente, fruir todas as utilidades de coisa móvel ou imóvel, para atender às suas necessidades e às de sua família.
 b) direito real temporário de ocupar gratuitamente bem imóvel alheio para a moradia do titular e de sua família, não podendo estes alugá-lo nem emprestá-lo.
 c) direito real de gozo sobre bens imóveis que, em virtude de lei ou vontade das partes, se impõe sobre prédio serviente em benefício do dominante.
 d) direito real pelo qual o proprietário, temporariamente, de modo gratuito ou oneroso, concede a outrem o direito de construir ou plantar em seu terreno.

a) A exoneração pretendida por Pedro ocorrerá parcialmente e de pleno direito à medida que o débito for sendo quitado.
 b) A exoneração requerida não poderá ser aceita por Lúcia, visto que a hipoteca possui natureza obrigacional.
 c) A pretensão de Pedro é permitida pela lei quando o montante do débito não representar mais de 20% do valor do bem hipotecado.
 d) O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia.
Durante assembleia realizada em condomínio edilício residencial, que conta com um apartamento por andar, Giovana, nova proprietária do apartamento situado no andar térreo, solicitou explicações sobre a cobrança condominial, por ter verificado que o valor dela cobrado era superior àquele exigido dos demais condôminos. O síndico prontamente esclareceu que a cobrança a ela dirigida é realmente superior à cobrança das demais unidades, tendo em vista que o apartamento de Giovana tem acesso exclusivo, por meio de uma porta situada em sua área de serviço, a um pequeno pátio localizado nos fundos do condomínio, conforme consta nas configurações originais do edifício devidamente registradas. Desse modo, segundo afirmado pelo síndico, podendo Giovana usar o pátio com exclusividade, apesar de constituir área comum do condomínio, caberia a ela arcar com as respectivas despesas de manutenção.
Em relação à situação apresentada, assinale a alternativa correta.
 a) Não poderão ser cobradas de Giovana as despesas relativas à manutenção do pátio, tendo em vista que este consiste em área comum do condomínio, e a porta de acesso exclusivo não fora instalada por iniciativa da referida condômina.
 b) Poderão ser cobradas de Giovana as despesas relativas à manutenção do pátio, tendo em vista que ela dispõe de seu uso exclusivo, independentemente da frequência com que seja efetivamente exercido.
 c) Somente poderão ser cobradas de Giovana as despesas relativas à manutenção do pátio caso seja demonstrado que o uso por ela exercido impõe deterioração excessiva do local.
 d) Poderá ser cobrada de Giovana metade das despesas relativas à manutenção do pátio, devendo a outra metade ser repartida entre os demais condôminos, tendo em vista que a instalação da porta na área de serviço não foi de iniciativa da condômina, tampouco da atual administração do condomínio.

As seguintes afirmativas concernentes aos Direitos Reais de Garantia estão corretas, EXCETO:

 a) podem ser apontadas como características de penhor, da anticrese e da hipoteca: o poder de sequela, o direito de preferência, a excussão e a divisibilidade da garantia.
 b) na constituição do penhor, anticrese ou hipoteca é expressamente vedada à imposição de cláusula comissória no bojo do contrato.
 c) os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declaração sob pena de não terem eficácia o valor do crédito, sua estimulação, ou estimação, ou valor máximo; o prazo fixado para pagamento; a taxa de juros, se houver; e o bem dado em garantia com suas especificações.
 d) salvo cláusula expressa, o terceiro que prestar garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize.

Na hipoteca e no penhor é
 a) válida a cláusula que autoriza o credor a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento, se o bem tiver o mesmo valor da dívida ou se o credor restituir a diferença do valor em dinheiro.
 b) nula a cláusula que autoriza o credor a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento, e, em nenhuma hipótese, poderá ocorrer a dação em pagamento.
 c) anulável a cláusula que autoriza o credor a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento, mas, após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.
 d) anulável a cláusula que autoriza o credor a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento, e, em nenhuma hipótese, poderá ocorrer a dação em pagamento.
 e) nula a cláusula que autoriza o credor a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento, mas, após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.

Noêmia, proprietária de uma casa litorânea, regularmente constituiu usufruto sobre o aludido imóvel em favor de Luísa, mantendo, contudo, a sua propriedade. Inesperadamente, sobreveio uma severa ressaca marítima, que destruiu por completo o imóvel. Ciente do ocorrido, Noêmia decidiu reconstruir integralmente a casa às suas expensas, tendo em vista que o imóvel não se encontrava segurado. A respeito da situação narrada, assinale a alternativa correta.

 a) O usufruto será mantido em favor de Luísa, tendo em vista que o imóvel não fora destruído por culpa sua.
 b) O usufruto será extinto, consolidando-se a propriedade em favor de Noêmia, independentemente do pagamento de indenização a Luísa, tendo em vista que Noêmia arcou com as despesas de reconstrução do imóvel.
 c) O usufruto será extinto, consolidando-se a propriedade em favor de Noêmia, desde que esta indenize Luísa em valor equivalente a um ano de aluguel do imóvel.
 d) O usufruto será mantido em favor de Luísa, independentemente do pagamento de qualquer quantia por ela, tendo em vista que Noêmia somente poderia ter reconstruído o imóvel mediante autorização expressa de Luísa, por escritura pública ou instrumento particular.

A respeito do penhor, da hipoteca e da anticrese, considere:

I. É válida a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.

II. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese e só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca.

III. Os sucessores do devedor podem remir parcialmente o penhor ou a hipoteca na proporção dos seus quinhões.

Está correto o que se afirma SOMENTE em
 a) I.
 b) II.
 c) I e II.
 d) I e III.
 e) II e III.

A respeito das servidões, assinale a alternativa correta:
 a) Não é possível a usucapião de servidão aparente, pois a usucapião é sempre uma forma de aquisição do direito de propriedade.
 b) O dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o exercício legítimo da servidão.
 c) A servidão não pode ser removida, de um local para outro, pelo dono do prédio serviente, sem expressa concordância do dono do prédio dominante.
 d) Se o prédio dominante estiver hipotecado e a servidão não estiver mencionada no titulo hipotecário, será também preciso, para cancelar a servidão, o consentimento do credor.
 e) A reunião do prédio dominante e do serviente no domínio da mesma pessoa não extingue a servidão, pois sempre haverá a possibilidade de os imóveis serem novamente desmembrados.

Quanto aos direitos reais, assinale a opção correta.

 a) Se for constituído o usufruto em favor de duas pessoas, o direito de usufruto da que vier a falecer acrescerá automaticamente à parte do sobrevivente.
 b) O titular de um direito real de habitação pode alugar o imóvel gravado e, com isso, obter renda para a sua subsistência ou de sua família.
 c) É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado; contudo, podem os contratantes validamente firmar convenção acessória que autorize o vencimento antecipado do crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.
 d) O penhor é um contato real que, para se aperfeiçoar, depende da tradição do bem, ou seja, não dispensa a transferência efetiva da posse da coisa empenhada para o credor, ainda que se trate de penhor mercantil ou de veículos.

No que diz respeito ao condomínio e aos direitos e deveres dos condôminos, assinale a opção correta.

 a) Se um dos consortes contrair dívida em proveito da comunhão, ele não responderá pessoalmente pelo compromisso assumido, devendo todos os condôminos responder pela dívida contraída em benefício de todos.
 b) No condomínio edilício, resolvendo o condômino alugar a sua unidade ou a sua garagem, ele deverá dar preferência, em condições iguais, aos demais consortes.
 c) É direito dos condôminos requerer a divisão da coisa comum, porém é possível instituir-se a indivisibilidade convencional por prazo não superior a cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior.
 d) No condomínio edilício, o pagamento das despesas relativas às partes comuns do edifício, ainda que de uso exclusivo de um condômino ou de alguns deles, deve ser rateado entre todos os consortes.

Em um condomínio edilício, Antonio é proprietário e possuidor de uma unidade condominial. Ele proporciona festas em sua unidade, com frequência, além do horário permitido; não trata com urbanidade seus vizinhos e os funcionários do condomínio. Em decorrência de tais circunstâncias, recebeu convocação para Assembleia Geral a fim de deliberar sobre aplicação de multa por descumprimento de deveres perante o condomínio e comportamento antissocial. A respeito da deliberação da Assembleia em questão, é correto afirmar que deverá ser tomada:

 a) por dois terços dos condôminos restantes, aplicando-se multa de até o sêxtuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais.
 b) por maioria simples dos condôminos, aplicando-se multa de até cem salários-mínimos.
 c) por três quartos dos condôminos restantes, aplicando-se multa de até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais.
 d) pela unanimidade dos condôminos, limitada ao valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais.
 e) por maioria qualificada dos condôminos, limitada ao dobro do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais.

É direito do usufrutuário
 a) alienar o usufruto, a título gratuito ou oneroso.
 b) a disposição causa mortis do usufruto, por testamento.
 c) requerer, do nu-proprietário, a consolidação da propriedade em suas mãos a qualquer tempo.
 d) exonerar-se do pagamento de quaisquer despesas incidentes sobre o bem.
 e) a percepção de alugueres incidentes durante o usufruto.

Analise as seguintes afirmações e assinale a alternativa correta.

I – Se o prédio dominante estiver hipotecado, e a servidão se mencionar no título hipotecário, será também preciso, para cancelar, o consentimento do credor.

II – A forma de constituição do direito real de superfície pode se constituir mediante instrumento particular, já que a lei não obriga expressamente que seja através de escritura pública para sua validade.

III – Se a sentença de declaração de vacância foi proferida depois de completado o prazo da prescrição aquisitiva em favor do autor da ação de usucapião, não procede a alegação de que o bem não poderia ser usucapido porque do domínio público, uma vez que deste somente se poderia cogitar depois da sentença que declarou vagos os bens jacentes.

IV – A falta de registro do compromisso de venda e compra descaracteriza a responsabilidade do promitente comprador pelo pagamento das quotas de condomínio.

V – A existência de cláusula de inalienabilidade recaindo sobre uma fração de bem imóvel, não impede a extinção do condomínio. Na hipótese, haverá sub-rogação da cláusula de inalienabilidade, que incidirá sobre o produto da alienação do bem, no percentual correspondente a fração gravada.
 a) Somente a alternativa II está correta.
 b) Todas as alternativas estão corretas;
 c) Apenas a questão IV está correta;
 d) As alternativas I, III e V estão corretas;
 e) As questões II, III e IV estão corretas.
Acerca do USUFRUTO, pode-se afirmar tudo o mais, EXCETO:

 a) Não se prestam ao usufruto os bens consumíveis, pois o usufrutuário não tem como os devolver ao proprietário depois de usá-los ou fruí-los.
 b) Falecendo o usufrutuário, o direito de usufruto transmite-se aos seus herdeiros legítimos.
 c) O usufruto de imóveis quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de imóveis.
 d) O bem gravado pelo usufruto poderá ser móvel ou imóvel, fungível ou infungível.
Em relação ao condomínio edilício, o atual Código Civil prevê:
 a) A unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público.
 b) A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.
 c) O terraço de cobertura é parte comum, ainda que disposição em contrário se faça na escritura de constituição do condomínio.
 d) Não pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.




sexta-feira, 22 de junho de 2012

IMPORTANTE

Bom dia! Informamos que neste sábado, 23/06/2012, estão suspensas todas as atividades realizadas na FADIPA. Motivo: cessão das instalações para aplicação de provas da UNIVAÇO. Somente estarão funcionando: - Portaria: Jean - 07 às 13 hs/ Sr. Luiz - 13 às 19 hs. - Serviços de limpeza - 07 às 10 hs. Atenciosamente, Raquel Teixeira dos Santos - Assessora Administrativa FADIPA

sexta-feira, 18 de maio de 2012

PARA MEUS PREZADOS - 402 (NOTURNO)


Como constituir um condomínio









Atenção a procedimentos legais e bom relacionamento com o cliente evitam conflitos na criação do condomínio edilício

Durante o processo de incorporação imobiliária de edificações compostas por unidades autônomas, a etapa final, simbolizada pela instituição do condomínio edilício, é uma das mais críticas. Envolta em uma série de implicações legais, essa fase é suscetível ao aparecimento de conflitos, sobretudo em relação às responsabilidades de cada parte envolvida. Por isso, tanto quanto dispor de um corpo jurídico e administrativo capaz de dar conta de todos os procedimentos burocráticos, para incorporadores e construtores, transparência e comunicação eficiente também são cruciais para evitar desgastes no relacionamento com o cliente final.

Afinal, grande parte dos problemas que surgem durante a implantação de condomínios ocorre justamente por falta de informação e conhecimento dos compradores. "É preciso considerar que, muitas vezes, o contrato de compra foi assinado dois anos antes e que informações importantes podem ter se perdido até o momento em que a administração do edifício deixa as mãos do empreendedor para ser assumida por seus novos proprietários", afirma Flávio Martins, presidente da administradora Itambé.

As obrigações do incorporador para viabilizar a criação de um condomínio têm início muito antes de qualquer comercialização de partes do empreendimento. O primeiro passo é a obtenção da certidão do título constitutivo da propriedade horizontal, que define forma de parcelamento da propriedade e descreve as frações ideais de terreno, ou seja, os percentuais que cada unidade autônoma representa sobre o terreno em que será construído o empreendimento imobiliário. Ao mesmo tempo, junto com o projeto de construção e outros documentos, é preciso solicitar o arquivamento, no Cartório de Registro de Imóveis, da minuta da futura convenção do condomínio que regerá a edificação ou o conjunto de edificações.

Embora possa parecer meramente burocrática, essa etapa requer muita atenção dos empreendedores, especialmente em relação às peculiaridades inerentes a cada tipo de condomínio e sua utilização futura. Plínio Ricardo Merlo Hypolito, especialista em direito imobiliário e advogado do Innocenti Advogados Associados, revela que não é raro o incorporador utilizar a mesma minuta da convenção para diversos empreendimentos, o que pode trazer prejuí­zos aos usuários. Norma básica do condomínio, cujo propósito é regular os direitos e os deveres dos condôminos, a convenção só pode ser elaborada por escritura pública ou por instrumento particular, devendo ser aprovada ou alterada pelos votos representativos de dois terços das frações ideais. "Isso, na prática, é muito difícil de se viabilizar", revela Hypolito. O advogado conta que, atualmente, trabalha justamente na elaboração de uma nova minuta para um condomínio misto (de uso comercial e residencial) no qual a convenção inicial contemplou somente as obrigações de natureza residencial, não abrangendo questões surgidas em função da utilização comercial do empreendimento.

Rito de passagem

Concluída a obra e emitido o auto de Habite-se pela prefeitura, finalmente ocorre a assembleia de instalação do condomínio, realizada com dois objetivos principais. Primeiro: aprovar a convenção - condição para que o condomínio seja registrado em um cartório de imóveis, obtenha o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) e possa contratar funcionários. Segundo: eleger o síndico, que será o representante legal do grupo, bem como o subsíndico e os conselheiros do condomínio.

O sucesso desse primeiro evento depende diretamente do envolvimento e do conhecimento de seus participantes sobre a pauta em questão. "Tanto que, para evitar reuniões improdutivas, muitos empreendedores têm apostado na realização de encontros prévios para instruir um grupo de proprietários selecionados sobre os tópicos abordados da assembleia", comenta Flávio Martins.

Mas mesmo nessas situações em que os condôminos estão mais preparados para a reunião inaugural, alguns pontos podem e costumam despertar discussões durante a constituição do condomínio.

Um dos mais polêmicos diz respeito à contratação da administradora condominial, já que os proprietários podem ter a expectativa de escolher a empresa que cuidará da administração do empreendimento. Contudo, de acordo com a legislação que regulamenta essa atividade, a incorporadora tem a prerrogativa de realizar essa contratação. Para Martins, isso é positivo, pois permite que a empresa escolhida possa acompanhar o desenvolvimento do projeto, podendo até mesmo auxiliar na formatação de serviços e opinar quanto à criação de áreas comuns. Mas nada impede que os condôminos modifiquem a convenção caso discordem dessa indicação. Para isso, é necessária a realização de assembleia com quorum de dois terços dos proprietários e respeitar as cláusulas de rescisão do contrato, que normalmente envolvem aviso prévio de um mês.

A responsabilidade pelos custos relacionados à instalação, funcionamento e regulamentação do condomínio é outro fator que costumeiramente provoca conflitos. O advogado João Paulo Rossi Paschoal, assessor jurídico do Secovi-SP (Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo), explica que a lei 4.591/64, em seu artigo 51, estabelece que nos contratos de construção deve constar expressamente a quem cabem as despesas com ligações de serviços públicos, bem como os custos indispensáveis à instalação, funcionamento e regulamentação do condomínio. Essa orientação se aplica mesmo quando o serviço público é explorado via concessão. "Não importa se o regime de construção adotado for por administração ou por empreitada. A responsabilidade pelas despesas indispensáveis à instalação, funcionamento e regulamentação do condomínio deve ser sempre prevista no contrato de construção", reitera Paschoal. Segundo ele, na hipótese de omissão do contrato a respeito do assunto, a responsabilidade cabe ao incorporador.

As principais etapas da constituição de condomínio

Durante a incorporação e construção:
  • Obtenção de certidão do título constitutivo da propriedade horizontal
  • Registro da minuta da futura convenção do condomínio

Após conclusão da obra:
  • Obtenção do Habite-se
  • Realização da assembleia inaugural
  • Registro da Convenção no Cartório de Registro de Imóveis
  • Criação do condomínio

Entenda as regras

O que diz o Novo Código Civil Brasileiro sobre a convenção de constituição de condomínio edílico:
  • Deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.
  • Deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

A convenção deve determinar:
- A quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
- Forma de administração;
- A competência das assembleias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações.
-  As sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores.
O regimento interno:
- Pode ser feito por escritura pública ou por instrumento particular.
- São equiparados aos proprietários, nesse caso, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas.



Fonte: Revista Construção e Mercado

quinta-feira, 17 de maio de 2012

PROVA DO SÁBADO

Prezados,
Neste sábado teremos prova! Terá início às 08:00 e término às 10:00 impreterivelmente. Direito Civil I.
Abraço e boa sorte

quinta-feira, 10 de maio de 2012

TEXTO PARA PROVA DA 402


ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÀO I I"
PUBLICIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO E LIBERDADE
DE CONTRATAR

João Luis Nogueira Matias
Professor Doutor da Universidade Federal do Ceará
Juiz Federal da 5"Vara/Seção Judiciária do Ceará

SUMÁRIO: 1. Colocação do problema. 2. Transformações do
Direito Privado. 2.\. O fenômeno da descodificação. 3. Limites à liberdade
de contratar. 3.1. Inserção de cláusulas atípicas em contratos típicos e
pactuação de contratos atípicos. 3.2. Ordem pública e bons costumes.
4. Princípios sociais dos contratos. 4.1. Princípio da socialidade. 4.2.
Princípio da eticidade. 4.2.1. Princípio da boa-fé. 4.2.2. Princípio da
justiça contratual. 5. Conclusões.

1. Colocação do problema
Inicialmente, convém esclarecer que o fenômeno da publicização do
direito privado não se confunde com a constatação de sua constitucionalização.
É inegável que as constituições contemporâneas, na esteira da Constituição de
Weimar, inclusive como reflexo de nova estrutura e preocupações do Estado
Social, produzem normas variadas sobre as relações privadas, limitando a
atuação dos indivíduos.
Entretanto, o que se denomina publicização do direito privado é o
processo de crescente intervenção estatal, objetivando garantir o direito dos
indivíduos em condições mais fracas. É o que nos relata Netto Lôbo, que afasta
a confusão entre os termos: "durante muito tempo, cogitou-se de publicização do
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
120 REVISTA ESMAFE N°15
direito civil, que para muitos teria o mesmo significado de constitucionalização. Todavia, são situações distintas. A denominada publicização compreende
o processo de crescente intervenção estatal, especialmente no âmbito do legislativo, característica do Estado Social do Século xx: Tem-se a redução do e.~paço da autonomia privada, para a garantia da tutela jurídica dos mais fracos. A ação intervencionista ou dirigista do legislador terminou por subtrair do Código Civil matérias inteiras, em alguns casos transformadas em ramos autônomos, como o direito do trabalho, o direito agrário, o direito das águas,
o direito da habitação, o direito de locação de móveis urbanos, o estatuto da criança e do adolescente, os direitos autorais e o direito do consumidor. "]50
Lembrando a historicidade da distinção entre público e privado, Giorgianni questiona se as transformações sofridas pelo direito privado devem ser explicadas como publicização do direito privado: "pode-se interrogar se as transformações que o direito privado sofreu no curso de mais de 150 anos, tão densos de história, podem ser sumariamente explicadas sob o rótulo da publicização, ou seja, da sua absorção na órbita do direito público. Poderia, ao contrário, ter acontecido uma mais íntima modificação da estrutura do direito privado e, portanto, das relações com o direito público. "151
A verdade é que o direito privado tem assumido nova feição. Com
o termo publicização ou socialização evidencia-se uma nova conformação do direito privado, marcada pela interferência do Estado nas relações privadas, em defesa dos mais fracos, em face das exigências atuais de seu papel.
Deve ser esclarecido, ainda, que a expressão publicização do direito privado, para alguns, pode ser substituída por dirigismo contratual, como esclarece José Lourenço: "Além das restrições oriundas da imperatividade das normas jurídicas, há também os limites à autonomia da vontade oriundos do fenômeno do dirigismo contratual, ou seja, a intervenção estatal na economia dos negócios de qualquer e~pécie. O dirigismo subentende que, se os contratantes pactuassem os negócios jurídicos com total liberdade, sem que
o poder estatal pudesse intervir para mitigar o princípio pacta sun servanda -mesmo quando uma das partes ficasse em completa ruína -a ordem jurídica estaria assegurando apenas a igualdade perante a lei. "]52
150 Constitucionalização do Direito Civil. In Jus Navegandi. n.33. http://wwwljus.com.br/doutrina/texto. asp·'id=507. Capturado em 10 de julho de 2002.
151 EmO Direito Privado e as suas atuais Fronteiras. RT/fasc. Civ, ano 87/volume 747, janeiro de 1998, páginas 35-55, página 50.
152 Em Limites à Liherdade de Contratar. São Paulo: editora Juarez de Oliveira, 200 \, página 20.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
121
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO
2. Transformações do Direito Privado
Existe necessária vinculação entre direito e sociedade, fator fundamental para entender as modificações operadas na seara do direito privado na sociedade contemporânea. Para Duguit, os institutos jurídicos foram fonnados para atender as necessidades econômicas, assim as transfonnações das mesmas devem implicar em transfonnações dos institutosjurídicos.153
Gurvitch, ao expor a idéia de direito social, demonstra a vinculação histórica da diferenciação entre direito público e direito privado, carente de critério matéria, destacando que "a oposição tradicional entre direito público e direito privado não é estabelecida sob critério material e depende da vontade cambiante do Estado, que de acordo com a época, fixa as respectivas áreas jurídicas, esta classificação não corresponde a nenhuma das distinções precedentes (direito social-direito individual,. direito de subordinação-direito de coordenação), mas se relaciona com elas : como o direito privado pode conter ao lado do direito individual aspectos de direito da integração (direito social) e de direito da subordinação, o direito público pode incluir, e o faz, porções importantes de regras de direito individual. "154
Superado está o ideário dos Códigos oitocentistas, cujos paradigmas são descabidos na sociedade contemporânea. Duguit destaca que tais códigos são baseados em concepção puramente individualista do direito, sustentados por uma idéia metafisica do direito subjetivo, enquanto atualmente é exigido sistema de direito de base social, assim entendido aquele sistema cujas regras se impõem ao indivíduo, fundadas na função social, em bases reais e não metafisicas.155 156
Melhor explicando a idéia que norteia o direito civil contemporaneamente, Duguit expõe que "a solidariedade social, ou melhor a interdependência social, deve ser compreendida cientificamente, não é um sentimento ou uma doutrina, não é sequer um princípi; de ação. É um fato
153 Ob. citada, páginas 235 e seguintes.
154 V. Gurvitch Georges, em L 'idée du Droit Social, Scientia Verlag Aalen, 1972, página 13. No original: L'opposition traditionnelle entre le "droit Public"et!e "droit prIvé" n"etant fondée sur aucun critére matériel
(I) et depéndant de la volonté changeante de !"etat, qui avantage suivant les époques des zones de droit de structures differentes, cette classification ne correspond á aucune des distinctions précédentes, mais s'entrecroise avec elles : come le droit privé peut contenir à côté du droit individuei de nombreuses couches de droit d'integration (droit social) et de droit de subordination, le droit public peut inclut bien souvent en realité, des portions importantes de I'ordre de droit individuei, venant pervertir le droit social en un droit de subordination.
155 Obra citada, página 173.
156 Fachin, em Teoria Crítíca do Direito Civil. Río de Janeíro: editora Renovar, 2000, página 10, relata que três eram os pi lares fundamentais em que se assenta a estrutura do direito privado: o contrato como expressão mais acabada da suposta autonomia da vontade; a família, como organização essencial à base do sistema, e os modos de apropriação, nomeadamente a posse e a propriedade, como títulos explicativos da relação entre pessoas e sobre as coisas.
...
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
122 REVISTA ESMAFE N°15
real possível de demonstração direta: éo fato da estrutura social mesma.
(..) é possível comprovar que, qualquer que seja o grau de civilização de um
povo, a solidariedade ou interdependência social está constituída por dois elementos que se encontram sempre, em graus diversos, com formas variáveis, entrelaçados a outros, mas que apresentam sempre caracteres essenciais idênticos, em todos os povos e tempos. Tais elementos são as semelhanças das necessidades dos homens que pertencem a um mesmo grupo social e as diversidades de necessidades e atitudes desses mesmos homens. Entenda-se, a solidariedade emface das semelhanças decorre das necessidades comuns que não podem os homens assegurar. Já a diversidade de atitudes e necessidades os une em razão da ajuda mútua, que pode ajudar a satisfação de necessidades diversas ".157
Francisco Amaral Neto aponta que o direito privado, a partir do direito civil, está envolvido em flagrante processo de transformação, adequando-se aos novos valores em vigor na sociedade. Defende que "a segurança individual cede o passo ao valor da segurança coletiva e do bem comum. A idéia de justiça nas vertentes aristotélicas de comutativa, distributiva e legal, cede espaço à justiça social, que se consagra constitucionalmente. A liberdade burguesa, nas suas expressões típicas da autonomia privada e do direito de propriedade, sofre limitações com a intervenção do Estado Social. O direito de família modificase profundamente com a institucionalização da igualdade dos cônjuges e dos filhos, e com o reconhecimento da existência e eficácia da União estável entre companheiros. Disciplina-se o divórcio, ampliam-se as possibilidades de reconhecimento dos filhos, regulamentando-se a procriação assistida. No campo econômico novos tipos de sociedades, novos contratos, medidas de proteção ao consumidor, atividades financeiras e de trabalho, concorrência, circulação de capitais, tudo isto estabelecido em profusa legislação especial e em normas constitucionais, induzindo à perda do status do Código Civil e à crescente importância da legislação especial. "158
157 Obra citada, páginas /82\183.
158 Em A De.\codificação do Direito Civil Brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da r Região, volume 08. número 04. outubro a dezembro de 1996. Brasília, 634-650. páginas 644 e 645. No trabalho, o autor detalha aS transformações no àmbito do direito civil: I. Constitucionalização dos princípios fundamentais do direito privado; 2. Personalização do direito civil. ou seja. sua humanização;3.Desagregação do Direito Civil. com surgimento de novos ramos do direito; 4. Configuração de Microssistemas. leis especiais que regulam aspectos do direito privado; 5. Tendência para o pluralismo jurídico. ou seja. aceitação de outras fontes do direito que não o Estado; 6.Admissibilidade de normas individuais e concretas: 7. Prevalência da justiça em detrimento da segurança juridica : 8. Prevalência do aspecto de conteúdo em detrimento do formalismo juridico ; 9. Complexidade da vida social e da respectiva normatividade ; 10. Preocupação crescente com ética e moral; 11. Substituição do Código Civil pela Constituição na posição central do pensamento jurídico ; 12. Relativização da dicotomia Estado-Sociedade Civil, com a subordinação do Estado ao sistema juridico:
13. Resgate da idéia de dlreíto como experiência problemática. imposta pela realidade social. em detrimento do pensamento de ordem lógico-dedutiva. 14. Idéia de direito como sistema aberto. com a retomada da razão prática. do saber pragmático.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO
A supervalorização do indivíduo, necessária como fator de afirmação perante o Estado, elemento de consolidação do poder da burguesia, não é compatível com a sociedade contemporânea. Por conseqüência, inevitável é a modificação do cenário jurídico. O indivíduo deixa de ser o eixo central do direito privado, valorizado é o todo (sociedade) sem menosprezo da parte (indivíduo).
Em tal contexto, os aspectos basilares do sistema oitocentista, propriedade como direito absoluto e contrato como modo de aquisição de propriedade, sofrem modificações.
Jürgen Habermas destaca que a modificação do direito de propriedade, contemporaneamente condicionado à função social, acarretou a modificação de suas garantias correlatas, principalmente a liberdade contratual.159
O direito à propriedade não é mais absoluto, é condicionado à sua função social, ou seja, o direito de usar, gozar e dispor de um bem é vinculado à sua utilidade ou integração com o seu meio e com os demais membros da sociedade. 160
O direito civil contemporâneo, como expressão da sociedade em que é moldado e molda, toma relativo o aspecto patrimonial das relações, fenômeno nominado de repersonalização. Netto Lôbo defende que "a patrimonialização das relações civis, que persiste nos Códigos, é incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana, adotada pelas constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo r llI). A repersonalização reencontra a trajetória da longa história da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário. "/6/
Perde o direito civil o papel de conformador supremo dos direitos dos particulares em suas relações privadas, em substituição à Constituição. Na verdade, tal papel somente pôde ser exercido ante a ausência de constituições nos moldes modernos. As primeiras constituições nada regularam sobre as relações privadas, preocupando-se apenas em delimitar o Estado mínimo. A
159 Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: editora Tempo Brasileiro, 1984, páginas 178\179: Junto com a instituição central do direito privado, a propriedade, naturalmente são também atingidas as suas garantias correlatas, sobretudo a liberdade contratual. A relação contratual clássica supõe completa independência na definição das condições do contrato. Isto foi. entrementes. sujeito a fortes limitações. À medida que as relações juridicas se equivalem de modo social-tipico. os próprios contratos também procuram tomar-se esquematizados. A crescente padronização das relações contratuais nonnalmente reduz a liberdade do parceiro economicamente mais fraco, enquanto que o já citado instrumento do contrato coletivo deve exatamente restabelecer a igualdade de posição do mercado.
160 A Constituição Federal do Brasil prevê nos artigos 5". incisos XXII e XXIII, e 170, incisos, a proteção ao direito à propriedade e a sua vinculação à função social do bem.
161 Constitucionalização do Direito Civil. In Jus Navegandi. n.33. http://wwwl.jus.com.br/doutrinaltexto. asp')=507, capturado em 10 de julho de 2002.
123
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
124 REVISTA ESMAFE N°15
codificação civil era o núcleo do direito privado, com conseqüências severas para os mais carentes economicamente.
Após a Constituição alemã de Weimar, as Constituições passaram a definir direitos e garantias individuais. No que se convencionou chamar de Estado Social, a Constituição passa a regular e limitar o poder econômico e refletir, de forma inevitável, no âmbito do direito civil. Passa o direito privado, embora mantida a sua autonomia dogmática e conceitual, necessariamente a estar inserido em contexto mais amplo que o conforma, definindo o seu alcance. 162
A Constituição Federal de 1988 é expressão da nova realidade, prevendo inúmeras normas basiladoras das relações particulares de indivíduos, tradicionalmente situados como de direito privado, o que impõe a releitura dos institutos clássicos, sob os valores eleitos pelo constituinte. Da mesma forma, a atividade do legislador infraconstitucional não poderá desprezar a supremacia constitucional e a importância dos princípios na unificação do sistema jurídico.
163 164
2.1. O fenômeno da descodificação
A codificação perde a pretensão totalitária, pretensão de exclusividade de regulação das relações privadas. É que os códigos tem estrutura e vocação para perdurarem no tempo, o que não permite a regulação integral de uma sociedade que se transforma e modifica os seus valores com uma velocidade nunca antes imaginada, sobretudo em conseqüência dos efeitos da globalização e das inovações tecnológicas.
Sobre a descodificação, Francisco Amaral Neto defende que "se a codificação é uma síntese histórica, a descodificação representa uma antítese. Se a codificação resulta do racionalismo jurídico europeu, a época atual, iniciada com a maré da legislação especial e extravagante. a partir das primeiras décadas do século, representa o movimento e a pluralidade do direito, comprovando a crise da unidade sistemática do direito civil, senão a própria recusa à idéia de sistema. "165
162 V Tepedino. Gustavo: Problemas de Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2000 e Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar. 1999.
163 Paulo Luis Netto Lôbo. na obra citada. defende que na atualidade não se cuida de buscar a demarcação dos espaços distintos e até contrapostos. Antes havia a disjunção; hoje a unidade hermenêutica. tendo a constituição como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil.
1M VAdriana Rocha de Holanda Coutinho. em "A Importância dos Princípios Constitucionais na Concretização do Direito Privado ". em Direito Civil Constitucional. coordenação de Renan Lotufo. São Paulo: Malheiros editores. 2002. 59-92.
J65 Em A Descodificação do Direito Civil Brasileiro. Revista do Trihunal Regional da r Região. volume
08. número 04. outubro a dezembro de 1996. Brasilia. 634-650. página 646.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATlJRA DA 5" REGIAo
Na sociedade contemporânea, a insuficiência dos Códigos é inegável,
o seu sistema não pode regular toda a atividade privada. Existe relação de complementaridade com subsistemas, estabelecidos por leis específicas, como
o Código do Consumidor, que giram em torno das normas genéricas previstas na codificação. 166
Ao explicar a idéia de descodificação, Ricardo Luis Lorenzetti destaca que a exigência de codificação decorria da criação do Estado Nacional, cuja pretensão era ordenar as condutas jurídico-privadas dos cidadãos de forma igualitária, motivação já superada. Continua o autor, defendendo que "a sociedade pós-moderna se caracteriza pela regulação de matérias em microssistemas, fenômeno que denomina big bang legislativo: a explosão do Código produziu um fracionamento da ordem jurídica semelhante ao sistema planetário. Criaram-se microssistemas jurídicos que, da mesma forma como os planetas, giram com autonomia própria, sua vida é independente; o código é como o sol, iluminá-os, colabora em suas vidas, mas já não pode incidir diretamente sobre eles. "167
No âmbito dos pactos particulares, deixa o contrato de ser encarado como simples instrumento de aquisição de propriedade, cujo conteúdo é livremente fixado pelas partes. Na sociedade contemporânea, caracterizada pela produção em massa e por uma dinâmica empresarial complexa, nem sempre é assegurado aos indivíduos o direito de optar sobre quando, com quem e como contratar, decorrências clássicas da autonomia privada.
Caio Mário, já há bastante tempo, alertava sobre o afastamento do direito das idéias individualistas, destacando que "Ferretoado em sua invulnerabilidade, o tabu egoísta tende a eclipsar-se dos Códigos burgueses. Escoraçam-no princípios que assentam na solidariedade humana e na utilidade social. Em todos os quadrantes da ciência jurídica a infiltração destes está a se realizar com pertinência. Já invadíu a esfera do direito público, espraiase pelo direito privado e atinge mesmo o díreito das obrigações. Moldandose numa restrição cada vez maior das prerrogativas a que corresponde uma expansão cada vez mais acentuada de surtos de socialização, as novas diretrizes do direito originaram um fenômeno curiosíssimo. Relações dantes reguladas pelos costumes e pela moral deslocam-se para a esfera jurídica. A causa deste deslocamento reside na convicção de que a pura sanção da consciência individual já não bastaria para defender certos deveres morais
166 V. Amaral Neto. Francisco: "O Direito Civil na Pós-Modernidade n. em Direito Civil -Atualidades. Belo Horizonte: Del Rey. 2003. 61-77.
167 Em Fundamentos do Direito Pril"Gdo. São Paulo: editora Revista dos Tribunais. 1998. página 45. Também com abordagem sobre o tema. do mesmo autor: "A Descodificação e a Possibilidade de Resistematização do Direito Civil", em Direito Civil-Atualidades. Belo Horizonte: Del Rey. 2003. 219-239.
125
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
REVISTA ESMAFE N°15
126
(Bruig). É necessária a sanção externa do direito para impor uma pena ao transgressor. "168
Como conseqüência dos novos parâmetros do direito privado, a autonomia privada, e mais especificamente a autonomia contratual, -tem sido redefinida, assumindo contornos de evidente restrição do âmbito de atuação dos particulares.
3. Limites à liberdade de contratar
Em natureza, a autonomia privada, e como decorrência a liberdade de contratar, configura poder jurídico, consubstanciado na possibilidade do sujeito atuar com a finalidade de modificar situações jurídicas subjetivas, próprias ou de outrem, o que no plano dos contratos importa na condição de escolher com quem, quando e como contratar.169 170
Entretanto, tal poder não é absoluto, decorre do ordenamento jurídico estatal, que o delimita, estabelecendo limites, limites crescentes em face dos novos contornos que assumiu o Estado ao longo do século XX e início do século XXI. 171
A consolidação da idéia de limitação da autonomia privada é conseqüência dos excessos que o instituto assumiu no Estado Liberal, cujo ordenamento jurídico concebia valoração exacerbada do indivíduo, anteriormente já apontada. Com a superação do Estado Liberal pelo Estado do Bem-estar, com novas funções e preocupações sociais, desponta com grande
168 A Crise do Direito, coleção Philadelpho Azevedo, São Paulo: Max Limonad, 1955, páginas 27.
169 Amaral Neto, Francisco: A Autonomia Privada como Princípio Fundamental da Ordem Jurídica: Per:,pectÍl'a Estrutural e Funcional, Revista de Direito Civil, número 46, 1998, páginas 07-26, página 11.
170 Sobre a relação autonomia da vontade e liberdade de contratar, esclarecedora é a lição de José Lourenço:.
a liberdade de concluir negóciojurídico e corolário do princípio da allfonomia da vontade, entendido e aceito como o poder que os participantes têm defixar, por si próprios (allfoj, a disciplina (nomos) juridicamente vinculati\'a de seus interesses. A autonomia da \'ontade e mais ampla do que a liberdade contratual. que se limita ao poder de auto-regulamentação dos interesses concretos e contrapostos das partes, medíante acordos \'inculativos patrimoniais. enquanto a autonomia da rontade abrange. tambem, os negócios jurídicos não patrimoniais "', obra citada. páginas 78.
171 Sobre o tema, ver o artigo Autonomia Priva/a e Forma di S/ato, de Natalino Irti. em Rivista di Dirilto Civile. CEDAM, janeirolfevereiro de 1994, páginas 15-23.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIAo 127
intensidade a necessidade de submissão da autonomia da vontade ao interesse social. 172 173
Ante os valores prevalentes neste novo contexto, na sociedade contemporânea, incompatível é a manutenção da definição do princípio da liberdade de contratar nos moldes tradicionais, o Estado interfere na autonomia de definir quando, com quem e como contratar.
As limitações à autonomia da vontade no ato negociaI importam na afirmação da existência do princípio da heteronomia da vontade, que pode impor a realização do negócio e a participação de agente específico. José Lourenço defende que "o termo heteronomia refere-se ao que se deixa sujeitar; condição de pessoa ou de grupo que recebe de um elemento que lhe é exterior, ou de um princípio estranho, a razão e a lei, Mais especificamente, a heteronomia jurídica, para Maria Helena Diniz, é a sujeição do destinatário da norma a seu comando, independente de sua vontade. Ou, como prefere, Lanlande, a condição de uma pessoa ou de uma coletividade receber a lei à qual se submete. A heteronomia da vontade é a área dos atos jurídicos cuja norma reguladora é externa aos seus elementos, A vontade dos agentes não é considerada, A norma, conjuntiva ou alternativamente, impõe regras para: o estabelecimento ou não do negócio jurídico e determina quais serão os agentes ativos e passivos, bem como o seu conteúdo. "/74
Miguel Maria de Serpa Lopes, abordando o dirigismo contratual, expõe pensamento assemelhado, baseado na doutrina de Josserand, destacando que o dirigismo pode ser restritivo, quando implicar em proibição de inserção de cláusula nos negócios jurídicos, ou expansivo, quando acarretar obrigações não previstas pelos pactuantes ou até mesmo a obrigação de contratar. 175
172 Cláudia Lima Marques, em Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4' edição. São Paulo: editora RT, 200 I, destaca que: Vivemos e!elimmente um momenlo de mudanças, nao só legislalivas, mas poliliras e sociais. Os europeus eslao a denominar esle momenlo de queda, rompimenlo ou ruplura (Umbl'llch), defim de uma era e de início de algo novo, ainda nao idenlifi1'ado. de pós-modernidade. Seria a crise da era moderna e de seus ideais concrelizados na Remluçao Francesa, de liberdade. igualdade e de fralernidade, que nao se realizaram para lodos, nem sôo hoje considerados realizá,·eis. A10menlo em que se desconfia daforça e suficiéncia do direilo para servir de paradigma à organizaçao das sociedades democráliras, alualmmle em um capilalismo neoliberal bastanle agressivo, com forles efei/os perrersos e de etelusao social. ViI'emos um momenlo de mudança lambém no es/ilo de vida, da acumulaçao de bens maleria"", passamos a acumulaçao de bens imaleriais, dos conlralos de dOI; para os conll'alos defazel: do modelo imedialis/a da compra e venda para um modelo duradouro da relaçao conlrallwl, da COnlralaÇao pessoal direla para o aulomalismo da conlraraçao à dislância por meios elelrônicos, da subsliluiçao, da lerceirizaçao, das parcerias fluidas e das pril'aliza('iies, de relações meramen/e privadas para as relações parliculares de iminenle interesse público.
173 V. Nalin. Paulo: O Con/ra/o em MOl'imen/o no Direilo Pós-Moderno, Revista Trimestral do Direito do Consumidor. volume I". abril/junho de 2002, 375-282,
174 Obra citada, páginas 77,
175 Em Curso de Direi/o Cil'il. Fonles das Obrigações' 1'on/ra/os. volume IV. Rio de Janeiro: editora Freitas Bastos. 1993, páginas 34 e seguintes.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
128 REVISTA ESMAFE N°15
Francisco Amaral Neto, justificando a necessidade de intervenção do Estado nas relações privadas, destaca que "o exercício da liberdade contratual. por exemplo, pode levar os segmentos sociais mais carentes de recursos, e por isso mesmo. desprovidos do poder de confronto ou negociação, a acentuados desníveis econômicos, devendo o Estado intervir para equilibrar o poder das partes contratantes, por meio de normas imperativas. O legislador pode limitar, assim, a autonomia privada, para ofim de proteger os pontos mais fracos da relação jurídica patrimonial -é o que se verifica nos contratos de consumidor, locação, empréstimo, seguros, operações financeiras típicas ".'76
Raciocínio no mesmo sentido é expresso por José Lourenço, que argumenta que "o exercício da plena autonomia da vontade nos contratos leva segmentos sociais mais carentes de recursos, e, por isso. praticamente, sem poder coercitivo nas negociações, ao empobrecimento, o que acentua ainda mais os desníveis econômicos. É, por isso, que o Estado intervém nos negócios jurídicos contratuais. estabelecendo normas cogentes. Assim. o legislador, imbuído de grande poder e desprovido da melhor técnica cientifica, metodológica e jurídica, limita a autonomia da vontade e a obrigatoriedade da convenção e amplia a relatividade. a boa fé e a justiça comutativa, tudo no intuito de proteger os pólos mais fracos, principalmente em matérias de contratos (locação, empréstimo, seguro, etc. "'77
Inegável, assim, que a autonomia privada é atualmente regida por novos parâmetros, com contornos nítidos de proteção aos indivíduos mais fracos economicamente.
Pontes de Miranda alertava que não há autonomia absoluta ou ilimitada; a vontade tem sempre limites, e a alusão à autonomia é alusão ao que se pode querer dentro desses limites. 178
No direito nacional, são exemplos de limitação da liberdade de definição de quando contratar, entre outras hipóteses, a obrigação decorrente de promessa de contratar; a obrigação de contratar seguro de responsabilidade civil imposta a todo proprietário de veículo (leis 6I94\74 e 8374\91); a obrigação de aceitar o regular curso da moeda ; a obrigação de contratar em igualdade de condições com quem aceite proposta válida, etc.
Podem ser apontadas como limitação ao direito de definir com quem contratar, entre outras situações, a cláusula de retrovenda, o pacto de melhor
176 "'Autonomia Primda", em Comelllórios sobre o Projeto do Código Civil Brasileiro -Série Cadernos do CEJ -20. Conselho da Justiça Federal. Brasília: 2002. 77-88. pagina 85\86.
177 José Lourenço. obra citada. pagina 63.
178 Em Tratado de Direito Privado -Parte Especial. Tomo XXXVIII. Rio de Janeiro: editora Borsoi, 1972. pagina 39.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
129
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REC,IÀO
comprador, o exercício do direito de preferência na alienação do domínio direto pelo senhorio, etc.
Para os fins a que nos propomos, nos restringiremos ao enfoque das limitações ao direito de fixar o conteúdo contratual, tendo em mente que com a nova realidade mantêm-se firme o valor de intervenção do Estado nas relações privadas, idéia percebida por Ricardo Lorenzetti, ao expressar que "EI derecho civil exhibe uma progressiva referenciabilidad pública. Sus instituciones, otrora subjetivas, se vinculan progressivamente com el derecho público em um mundo econômico yjurídico cada vez más interrelacionado. Lafuncionalidad, v sobre todo la eficácia de las instituciones de derecho privado exigen que se 'correlacionen c~m el derecho púhlico."179
A liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato implica na possibilidade de optar por qualquer dos contratos que possuem regulação específica na legislação; por alterá-los inserindo cláusulas não previstas originalmente, sempre que possível ou na possibilidade de contratar através de forma diversa da prevista pelo legislador.
Analisaremos as hipóteses de restrição à inserção de cláusulas atipicas em contratos tipicos e as restrições à formulação de contratos atípicos.
3.1 Inserção de cláusulas atípicas em contratos típicos e pactuação de contratos atípicos
A possibilidade assegurada aos individuos de inserir cláusulas atípicas em contratos tipicos, bem como de firmar contratos atipicos, decorre do reconhecimento de que as leis não podem prever todas as relações sociais, sendo necessário permitir que os particulares estabeleçam novas formas de contratação que atendam aos seus interesses e às perspectivas da dinâmica negociai da sociedade pós-industrial, em que, na visão de Galgano, a inteira organização econômica tem dimensão planetária. lHO
o estabelecimento de tipos contratuais inibe a liberdade dos particulares moldarem, de acordo com a sua vontade, os seus negócios privados. Deve, entretanto, ser lembrado que a estrutura tipológica compõe-se de normas cogentes e normas dispositivas. Cogentes são as normas de ordem pública, inatàstáveis pela vontade dos individuos. Dispositivas são as normas que podem deixar de serem observadas pelos indivíduos sem desnaturar o tipo societário.
179 Em Analisis Critico de la Autonomia Privada Contractual, Revista de Díreito do Consumidor. número 14, abrilljunho de 1995,5-19, páginas 12.
ISO Lex Mercaloria: sloria Del dirillo commerciale. Bologna: II Mulino, 1993, página 214. No original Nella societá post-industriale I'intera organizzazzíone econômica ha dímensione planetaríe.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
130 REVISTA ESMAFE N°15
Variadas são as fonnas de limitação do direito de estabelecer o conteúdo contratual, que podem ser resumidas no texto do artigo 104, do Código Civil de 2002, que dispõe que o negócio jurídico pressupõe agente capaz, objeto lícito, possível, detenninado ou detenninável e fonna prescrita ou não deíesa em lei. 181
Objeto lícito é o adequado ao ordenamento jurídico, ou seja, o que se amolde aos fonnatos previstos ou possa ser modificado, posto que regulado de fonna meramente dispositiva. Sofre restrição a liberdade dos particulares através do estabelecimento de nonnas impositivas, que não podem ser derrogadas pela vontade dos indivíduos. O Código Civil de 2002 reprova taxativamente a tentativa de descumprimento de nonnas de ordem pública ou cogentes, dispondo em seu artigo 166, inciso VI, que é nulo o negócio jurídico quando tiver por objeto fraudar lei imperativa, in verbis :
"artigo 166 -É nulo o negócio jurídico quando:
VI -tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
"
Já quanto aos contratos atípicos, contratos sem regulamentação específica pelo ordenamento, entendemos que configuram ampla faceta de autonomia privada, de há muito aceita no ordenamento nacional. 18:'
No novo Código Civil a sua disciplina passou a ser mais transparente, posto que há expressa disposição que os reconhece e remete à aplicação das nonnas gerais sobre contratos:
"artigo 425 -É lícito as partes estipular contratos atípicos, observadas as nonnas gerais fixadas neste Código."
Embora, em razão de suas peculiaridades e importância na sociedade atual, talvez devesse o legislador tem tido maior preocupação com os contratos atípicos, estabelecendo regência genérica própria.
Em contexto diferenciado, mas fundamental para a compreensão da importância dos contratos atípicos, Francesco Galgano adverte que o elemento
181 Artigo 104 -A l'alidade do negócio jl/rídico requer .I
-agente capa:: :
11 -objeto lícito, possível, determinado ou determinável :
III-forma prescrita ollnào defesa em lei.
182 Álvaro Vilaça os define. haseado na doutrina italiana (Ângelo Piraino Leto e Sacco) como o contrato que se insere em uma figura que tem uma disciplina legal particular.em Teoria Geral dos Contratos Atípicos. editora Atlas. Sào Paulo: 2002. páginas 131.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO 131
dominante na cena jurídica de nosso tempo é a circulação internacional de modelos contratuais unifàrmes, em regra contratos atípicos, base do que se pode chamar de nova Lex Mercatoria, direito criado pelos empreendedores, sem a mediação dos poderes legislativos dos Estados. fàrmado de regras destinadas a disciplinar de maneira uniforme, além da unidade política do Estado, as relações que se instauram na unidade econômica dos mercados.
In
Reconhecida a importância crescente dos contratos atípicos, como meio de atendimento das necessidades dos agentes econômicos da sociedade contemporânea, é preciso dexar claro que, também, configuram seus limites a ordem pública e os bons costumes. 184 185
3.2 Ordem pública e bons costumes
Importa definir o que seja ordem pública e bons costumes. Válido é o alerta de João Manuel de Carvalho Santos, que descreve que "não é fácil dizer quando um ato é contrário à ordem pública. Ordem Pública tem uma significação tão vaga e imprecisa que é dificil definir o que seja tal coisa. (00)0 conceito de ordem pública não é suscetível de regras científicas constantes .. é antes uma questão de fato, que precisa ser apreciada com o devido cuidado, por estar o conceito de ordem pública sujeito aos princípios contigentes e mutáveis da conveniência política. social e econômica. A ordem pública é uma noção variável, de fato, com as épocas e com os lugares ".186
183 Obra citada. páginas 214. 217 e 218. No original Cio que domna la scena giuridica Del nostro tempo non sono lê convenzioni internazionali di diritto unifonne né sono. in àmbito europeo. lê direttive comunitaire di armonizzazione Del diritto entro la Cee. L'elelemento dominante é. piuttiosto. Ia circolazione internazionale dei modelli contrattuali uniformi. (...) ...per nova lex mercatoria. o ius mercatorum. oggi si intende um diritto creato dai ceto impreditoriale. senza la mediazione Del potere legislativo degli stati. e formato da regole destinate a disciplinare in modo uniforme. ai di lá delle unitá politiche degli stati. i rapporti commerciali Che siinstaurano entro I'unitá econômica dei mercati.
184 Francisco Amaral Neto. em A Autonomia Privada como Princípio Fundamental da Ordem Jurídica, Perspectivas Estrutural e Funciol1al. Revista de Direito Civil. número 46. outldez de 1990. São Paulo. (7-26 I. página 20: Reconhecida constitucionalmente a liberdade de iniciativa econômica. indiretamente se garante a autonomia privada. em face da intima relação de instrumentalidade existente entre ambas. Conceitos conexos. mas não coincidentes. a autonomia privada tem caráter instrumental em face da liberdade de iniciativa econômica. pelo que as limitações a que a esta se impõem também atuam quanto áquela. E esses limites são a ordem pública. na sua espécie de ordem pública e social de direção. sob a forma de intervencionismo liberal neoliberal ou de dirigismo econõmico. e os bons costumes. as regras morais. "
185 No Code Civil a limitação era expressamente prevista: artigo.900 -Em todas disposições entre vivos ou testamentárias. as condições impossíveis. as que sejam contrárias ás leis ou aos costumes. serão reputadas não escritas. artigo 1133 -A causa é ilícita quando é proibida pela lei. quando é contrária aos bons costumes e a ordem pública. artigo. I 172 -Toda condição impossível ou contrária aos bons costumes. ou proibida por lei, é nula ou torna nula a convenção da qual depende. Tradução livre.
186 Em Código Cil'il Brasileiro Interpretado. volume 11. Parte Geral (artigos 43-113). Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos. 1998. página 274.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
132 REVISTA ESMAFE N°15
A ordem pública pode ser descrita como o conjunto de normas jurídicas que regulam e protegem interesses fundamentais da sociedade e do Estado. São as normas que estabelecem as bases jurídicas fundamentais da ordem econômica ou moral, no direito privado de determinada sociedade. São as normas que objetivam regular condutas entre particulares, mas que, em razão da natureza da tutela e o interesse social em jogo, são revestida de caráter imperativo, cogente.
Para Norma Juanes, as normas de ordem pública são essenciais para permitir ao Estado intervir na seara dos particulares, criando restrições à liberdade contratual e impedindo a utilização do contrato como meio de opressão, expressando a autora que: EI Estado debió abandonar su actitud de mero observador garante dei cumplimiento de lo acordado, y asumir una mayor intervención en el tráfico a través de distintas medidas de protección, a fin de neutralizar las consecuencias negativas de tantas desigualdades. Se promulgaron normas imperativas, se ejercitaron controles y se arbitraron variados esfuerzos dirigidos a restablecer el equilibrio roto por abuso de la liberdad contractual, Así, se sancionaron cuerpos normativos de observancia obligatoria en distintos sectores de la actividad (Iegislación laboral, precios maximos, locaciones urbanas, etc) y aparecieron los contratos normados
o reglamentarios. los contratos tipo y los contratos dictados. Son éstas modalidades contractuales en las que se restringe. o directamente desaparecen. la liberdad de conclusión o la liberdad de configuración. Sobreviene lo que se conoce como publicización deI derecho privado, que acompaiía un fÍlerte desarollo delllamado derecho económico. 187
Quanto aos bons costumes, podem ser definidos como as regras morais que formam a mentalidade de um povo e se expressam em princípios, como por exemplo, os da lealdade contratual, perempção, proibição do jogo, etc.
João Manuel de Carvalho Santos defende que as noções da sabedoria antiga sobre bons costumes devem ser relativizadas, no sentido de que o importante é analisar os fatos e não a teoria, a fim de que possa ser identificado aquilo que contraria a moral, na opinião comum. 188
187 Em Los Actuales Perfiles de la Autonomia de la Voluntad en el Ambito de la Con/ratacion Pril·ada. Revista de la Faculdad de Derecho y Ciencias Sociales de la Universidad Nacional de Córdoba. volume
6. número I. 1998, 285-311, página 294,. Tradução livre: O Estado deve abandonar sua atitude de mero observador garante do cumprimento do acordado. e assumir uma maior intervenção nos negócios. através de diversificadas medidas de proteção. com a finalidade de neutralizar as conseqüências negativas de tantas desigualdades. Serão promulgadas normas imperativas, se exercitaram controles e se estabelecerão variados esforços direcionados a restabelecer o equilibrio rompido pelo abuso da liberdade de contratar. Assim, se sancionarão corpos normativos de observância obrigatória em distintos setores de atividade (legislação laboral, preços máximos. locações urbanas, etc) e aparecerão contratos normativos ou regulamentários. contratos tipos e cogentes. São estas modalidades contratuais em que se restringe, o faz-se desaparecer. a liberdade de conclusão ou de definição do conteúdo contratual. Sobrevêm o que se conhece como publicização do direito privado. que acompanha o desenvolvimento do direito econômico.
188 Obra citada. página 275.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO 133
Conceituada a norma de ordem pública, importa definir que tipo de norma pode ser assim considerada. Para Orlando Gomes, as normas de ordem pública são aquelas que atendem aos interesses essenciais do Estado ou da coletividade, entretanto, tal idéia geral não é suficiente para permitir ao juiz identificá-la, posto que a noção de interesses essenciais do Estado e da sociedade é variável de acordo com o regime político. Ademais, esclarece
o autor: "os pilares centrais da ordem econômica e moral de dada sociedade são poucos, o que reduziria o conceito importante de ordem pública. Ante a ausência de critério de definição, recorre-se a enumeração exemplificativa de normas que podem ser assim consideradas, enquadrando as leis que consagram
o princípio da liberdade e igualdade dos cidadãos;as leis relativas a certas responsabilidades; as leis que asseguram aos operários proteção especial;as leis sobre estado e capacidade das pessoas; as leis sobre o estado civil;princípios básicos sobre direito hereditário;leis relativas à composição do domínio público;princípios fundamentais do direito de propriedade;leis monetárias e proibição do anatocismo, entre outras."189
Lorenzetti com a finalidade de explicá-las, procura classificar as normas de intervenção estatal na seara do direito privado, indicando que podem ser normas de ordem pública de proteção, de coordenação e de direção. As normas de ordem pública de proteção objetivam igualar a expressão de vontade das partes, estabelecendo o equilíbrio no consentimento. Opera-se impondo obrigações ou através de contrato coletivo, como ocorre no direito nacional em relação ao direito do trabalho e do consumidor. As normas de ordem pública de coordenação objetivam estabelecer a coordenação entre os valores individuais e coletivos. Podem ser formuladas negativamente, fulminando obrigações não enquadradas nos valores prevalentes ou podem ser decorrentes do princípio da socialização. Por fim, as normas de ordem pública de direção impõem aos contratantes forma específica de atuação. 190
Conclui-se que as normas de ordem pública são aquelas normas que, de acordo com a realidade de sua época e lugar, estabelecem os fundamentos básicos da sociedade.
Pode-se diferenciar normas de ordem pública de normas cogentes ou coativas. É que, embora ambas sejam impositivas, não derrogáveis pela vontade dos indivíduos, as normas coativas não tem a ver com os interesses essenciais da sociedade.
Para João Manuel de Carvalho Santos, baseado na doutrina italiana, a distinção possível de ser feita é entre normas de ordem pública primária, compreendendo as disposições que digam de forma direta ao bem público,
189 Contratos: Rio de Janeiro: editora Forense. 1987. página 28.
190 Obra citada. páginas 13 a 19.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
134 REVISTA ESMAFE N° 15
cuja regulação é assunto de interesse de todos, ou secundária, que compreende preceitos e proibições estatuídas no interesse de um indivíduo em particular, ou grupo de indivíduos em específico, visando indiretamente ao bem comum. 191 A distinção é meramente doutrinária, já que em ambas as hipóteses impõe-se o cumprimento do conteúdo legal pelos particulares, de forma inevitável.
Percebe-se, assim, que há grande insegurança doutrinária e jurisprudencial sobre a definição das normas de ordem pública. Em algumas oportunidades o próprio texto legal é enunciado como de ordem pública, sendo as dúvidas afastadas, o que ocorreu, por exemplo, com o Código de Defesa do Consumidor. Em outras oportunidades, contudo, compete ao intérprete apontar, no caso concreto, a natureza de ordem pública, exigindo, se for o caso,
o cumprimento obrigatório da disposição. 192 193
Como bem expressa José Lourenço,"o fitndamento das normas de ordem pública é a convicção de que determinadas relações sociais ou estados de vida social não podem ser deixados ao arbítrio individual. o que acarretaria graves prejuízos à sociedade. Existem relações humanas que pela sua grandeza e importância, são reguladas taxativamente por normas jurídicas, a fim de evitar que a vontade dos particulares pertube a vida social. "194
Baseado em tais idéias, o autor aponta critério de definição de normas de ordem pública, destacando que seriam normas de imperatividade absoluta as normas cujo conteúdo seja objeto imediato da Constituição Federal, independente de seu nível hierárquico, o que permitiria assim considerar Leis Complementares, Leis Ordinárias, Medidas Provisórias, por exemplo. 195
O nosso posicionamento não é coincidente com o do autor. É que com a dinâmica da sociedade contemporânea, tememos que alguma relação digna de
191 Obra citada, págiflil 275.
192 Artigo 1°. -O presente Código estabelece normas de proteçào e defesa do consumidor, de ordem pública interesse social. nos termos dos artigos 5", inciso XXXII, 170,inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de sua Disposições Transitórias.
193 Vicente Ráo, em seu O Direito e a Vida dos Direitos, São Paulo, editora RT, 1999, á página 217, sustenta que: ""não é possível indicar a priori, por via de definição ou conceilo geral, todas as normas de ordem pública. E da nalureza de cada disposição, da natureza das relações contempladas e das razões sociais determinantes de cada IlOrma, que esse caráter resulta. Certo é, contudo, que no direito moderno,
o legislador tende a imprimir esse maior grau de eficácia à disciplina de um número sempre crescente de relações, que. outrora, eram regidas pelas normas meramente di.,positims do direito pril·ado".
194 Obra citada, página 138.
195 Fernando Noronha, em tese de doutorado. intitulada Princípios dos Contratos e Cláusulas Abusivas, FADUSP, São Paulo: 1990, páginas 146, defende na mesma linha que: Não admira assim a digamos perda de prestígio do princípio da autonomia provada (ou melhor. da autonomia da vontade, como em tempos mais antigos se dizia) e sobretudo do seu principal corolário. o princípio da liberdade contratual. Tal perda de prestigio era inevitável: afinal, estavam-se tomando meras partes, isto é, o interesse do empresário e a sua liberdade contratual, pelo todo, ou seja, a complexidade de interesses e de valores sociais envolvidos nos contratos.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO 135
interferência por parte do Estado não se enquadre no critério eleito, deixando desprotegidos os indivíduos economicamente desfavorecidos.
Com a modificação de valores típica dos tempos atuais, novas normas imperativas são editadas, como as que visam proteger os sócios minoritários e terceiros no direito societário atual, especialmente na sociedade limitada regulada no Código Civil de 2002, nem sempre possíveis de serem enquadradas no critério propostO.196
Resta claro que o princípio da autonomia privada, entendido como liberdade contratual, sofre consideráveis modificações, devendo atualmente ser considerado na perspectiva do interesse social.
É o alerta que manifesta Alessandro Somma, ao defender que "há um tempo se acredUava que o combate pela liberdade individual não fosse incompatívelcomalutapelaemancipaçãocoletiva, entretanto, aofim doséculo vinte está muUo claro que as duas postulações são contraditórias, necessário é restringir a atuação do indivíduo a fim de prestigiar o interesse geral, o interesse da sociedade."197
Assim, é que deve ser compreendida a autonomia privada em nossos dias, como defende Norma Juanes: "Hoy o principio há de ser entendido como potestad o competência de autorregulación que se ejercita dentro de los limites concedidos Poe el derecho positivo. La autonomía privada debbe ser considerada com uma nueva perspectiva, de manera que su ejercicio no solo debe ajustarse a los limites próprios Del derecho imperativo, sino que debe atender además a lajusticia intríseca de lo contratado, afin de que la regulación proyectada por los particulares no resulte remida com los princípios de justicia commutativa que informan la regulación normal dei derecho dispositivo. " 198
Observe-se que, além das restrições à liberdade de contratar que analisamos, no Código Civil de 2002 estão firmadas diretrizes gerais que configuram restrição à liberdade de fixação do conteúdo contratual. São os
196 Destaque-se que no Código Civil de 2002 o artigo 122. ao tratar da licitude das condições. estipula que são lícitas todas as condições não contrárias á lei, á ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico. ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Já o artigo 187 indica como ato ilícito aquele decorrente de abuso de direito pelo titular que extrapola aos limites fixados pelo fim econõmico ou social, boa fé ou pelos bons costumes.
197 No original: Tuttavia um tempo si credeva che combattere per la libertá individuale non fosse incopmpatibiJe com la lotta per uma emancipazione colletiva mentre aliá fine dei venesimo secolo á sempre piu chiaro Che queste due esigenze sono in conflitto. Em li Diritto Privato Liberalista. Reflessioni sull Tema DelJ'autonomia Privata Stimolate da Um Recente Contributo, Boletín Mexicano de Derecho Comparado, nueva serie. ano XXXIV, número 101, maio-agosto de 2001, página 603.
198 Obra citada. páginas 310\311.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
136 REVISTA ESMAFE N°15
princípios que emanam as idéias centrais do novo Código e que influenciarão os intérpretes e aplicadores do direito. 199
4. Princípios sociais dos contratos
O Código Civil é o núcleo central do qual são irradiadas as regras de direito privado, o que não implica em exclusividade de emanações de valor, evidentemente. Entretanto, as normas e princípios do Código Civil de 2002 assumem papel preponderante em sua conformação, tanto pelo aspecto genérico, no que se refere à aplicação, quanto pelo sentido de inovação e adequação à nova realidade social brasileira.
Tais princípios sinalizam para novos tempos, em que resta superada a lógica do individual acima do coletivo, típica do Código de Beviláqua. Contudo, é importante ter em mente que os princípios sociais do contrato não eliminam os princípios decorrentes da autonomia privada, limitam, isto sim, seu alcance e conteúdo.coo
Centraremos nossa análise em duas idéias bases, socialização e eticidade, objetivando estabelecer critérios de interpretação e aplicação das normas sobre sociedades limitadas, tendo em mente a lição de Miguel Reale, que defende que "o que importa em uma codificação éo seu espírito, é um conjunto de idéias fundamentais em torno das quais as normas se entrelaçam, se ordenam, se sistematizam. "201
A Constituição de 1988 prevê como um de seus fundamentos a solidariedade social, e faz restrições ao direito de propriedade, indicando estar sintonizada com os novos tempos e valores, contudo, a concretização dos princípios enunciados não foi efetiva, o que muito pode ser creditado ao arcaico sistema decorrente do Código de Beviláqua.
Os valores firmados no Código Civil de 2002 influenciarão a interpretação da lei maior, a Constituição de 1988, consolidando o ideário típico da sociedade pós-moderna. Observe-se que não há nesse raciocínio qualquer contrariedade ao entendimento de que o ordenamento jurídico possui estrutura escalonada de normas, hierarquicamente organizadas, mas é que ocorrerá, sem dúvida, modificação na maneira de compreender a Constituição, a partir dos valores enunciados pelo Código Civil, em mecanismo de influência
199 V. Lyra Júnior. Eduardo Messias Gonçalves de : Os PrillcÍpios do Direilo COlltralual, Revista de Direito Privado. número 12. out\dez de 2002, 135-155; Lima, Taisa Maria Macena de : Principios Fundantes do Direito Civil Atual. em Direito Cil'il-Atualidades. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, 241-258.
200 V. Lobo Netto, Paulo Luiz: O Novo Código Civil Discutido por Juristas Brasileiros Campinas: editora Bookseller. 2003. 81-93, página 83.
201 Em "As Diretrizes Fundamentais do Projeto do Código Civil", em Comelltários sobre o Projeto do Código Cil'il Brasileiro, série Cadernos do CEJ -Conselho da Justiça Federal, número 20. (9-26), página
16.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO 137
recíproca (Constituição-Legislação infraconstitucional) que não pode ser desprezado, o que nos permite visualizar a efetiva importância dos princípios que analisaremos.
4.1 Princípio da socialidade
O Código Civil de 2002 tem por traço marcante, como reflexo de sua época, o privilégio do social, ou seja, é centrado na valorização da pessoa humana, sem os excessos da supervalorização da individualidade. Como forma de prestigio ao individuo, preponderam os valores coletivos sobre os valores individuais.
A Constituição brasileira de 1988 assimila o novo ideário, fazendo a previsão da dignidade da pessoa humana, como um de seus fundamentos, artigo I", inciso UI, e da solidariedade social como objetivo fundamental da República, no artigo 3", inciso I. Ao regular o direito de propriedade, em seus artigos 5°, inciso XXIII e 170, inciso III, a Constituição Federal condiciona-o à sua função social, afastando a possibilidade de abuso do direito de usar, gozar e dispor de bens.202
O advento do Código Civil de 2002, em perfeita sintonia com as novas idéias, permite maior concretude aos princípios antes narrados, estendendo-os para outras searas do direito privado, que assume novo perfil.
Afastando-se dos valores dos Códigos oitocentistas, rejeitada é a idéia do indivíduo como centro do universo e a propriedade, seu reflexo patrimonial, deixa de ser absoluta, como é percebido pelo texto do artigo 1228, e seus parágrafos.
O enfoque social do Código repercute no plano contratual, devendo os contratos ser instrumentos de realização dajustiça social, conforme a lapidar lição de Paulo Luiz Netto Lôbo: "o sentido e o alcance do contrato reflete sempre e necessariamente as relações econômicos e sociais praticadas em cada momento histórico. O modelo liberal tradicional, inclusive sob a forma e estrutura do negócio jurídico, é inadequado aos atos negociais existentes na atualidade, porque são distintos os fundamentos, constituindo obstáculo às
202 Artigo I" -A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (... ) 111-a dignidade da pessoa humana. (...)
Artigo 3' -Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I -construir uma sociedade justa, livre e solidária. (...)
Artigo 5°. -Todos são iguais perante a lei. sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito á vida, à liberdade, à igualdade. à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (, .. ) XXIII -função social da propriedade.
Artigo 170 -A ordem econômica. fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. tem por fim assegurar a todos existência digna, confomle os ditames as justiça social, observados os seguintes princípios: (... ) 111 -função social da propriedade.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
138 REVISTA ESMAFE N° 15
mudanças sociais. O conteúdo conceitual e material e a função do contrato mudaram, inclusive para adequá-lo às exigências de realização da justiça social, que não é só dele, mas de todo o direito ". 203
o Código Civil de 2002 dispõe, no artigo 421, sobre a função social do contrato:
"artigo 421 -A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."
Impõe a previsão em evidência a análise das normas emanadas do acordo de vontades a partir de sua finalidade, sua função, sua utilidade social. Firmados são os parâmetros que possibilitarão aos intérpretes do direito definir
o alcance e extensão de obrigações decorrentes de acordos de vontade.
A função social do contrato é imposta como cláusula genérica, dotada, na visão de Eduardo Sens dos Santos, de vagueza semântica e multissignificação. Conclui o autor que a cláusula é atendida quando possibilite um contrato justo do ponto de vista não só privado, mas também em relação ao interesse social e ao bem comum. 204
No Código Civil de 2002, o contrato é condicionado ao interesse coletivo, o que significa expressa restrição da liberdade de contratar, o que leva Antônio Jeová Santos a expor que "tanto o direito de propriedade como o de contratar nãoficam submetidos ao arbítrio do proprietário, nem do contratante mais forte economicamente. Dernddo o esquema do liberalismo, o contrato e a propriedade como símbolos de direito subjetivo individual, extensos e desconhecedores de limitações, passam a ser exercidos não para a satisfação de interesses egoísticos, mas para preencher interesses bem maiores, mais amplos e que evitam o senso individualístico de que se revestiam. As restrições impostas à liberdade de contratar e ao direito de propriedade são exemplos claros de que, ambos, devem satisfazer interesses da sociedade. " 105 lOó
Judith Martins-Costa, ao fazer paralelo entre a função social da propriedade e a função social do contrato, destaca que "a atribuição de uma função social ao contrato insere-se no movimento da funcionalização dos direitos subjetivos : atualmente admite-se que os poderes do titular de um
203 Em Contrato e Mudança Social, RT ano 84, volume 722. dezembro de 1995. página 44.
204 EmO Nol'O Código Civil e as Cláusulas Cerais : Exame da Função Social do Contrato. Revista de Direito Privado. número 10. abril/junho de 2002. editora Revista dos Tribunais. 9-37. páginas 35.
205 Em Função Social. Lesão e Onerosidade Excessiva nos Contratos. São Paulo: editora Métodus. 2002, páginas 1211122.
206 V. Hironaka. Giselda M. Fernandes Novaes: A Função Social do Contrato. Revista de Direito Civil, volume 45. jullset de 1990. páginas 141-152. V. também. Arnoldi. Paulo Roberto Colombo e Michelan.Tais Cristina de Camargo: Novos Enfoques da Função Social da Empresa numa Economia Clobalizada. Revista de Direito Privado. número 11, jul/set de 2002. editora RT. 244-250.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO 139
direito subjetivo estão condicionados pela respectivafimção, e a categoria do direito subjetivo, posto que histórica e contingente como todas as categorias jurídicas, não vem mais revestida pelo "mito jusnaturalista " que a recobrira na codificação oitocentista, das qual fora elevada ao status de realidade ontológica, esfera jurídica de soberania do indivíduo. Portanto, o direito subjetivo de contratar e a forma de seu exercício também são afetados pela funcíonalização, que indica a atribuição de um poder tendo em vista certa finalidade ou a atribuição de um poder que se desdobra como dever, posto que concedido para a satisfação de interesses não meramente próprios ou individuais, podendo atingir também a esfera dos interesses alheios. " !07
São ainda restrições aos ideais individualistas as previsões dos artigos 423 e 424, na medida em que equilibram a relação contratual em função do desequilíbrio econômico das partes:
"artigo 423 -Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
artigo 424 -Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio."
No mesmo sentido, a previsão do artigo 157, do Código Civil de 2002, que introduz no direito nacional a noção de lesão como exceção à regra da obrigatoriedade dos contratos, possibilitando a sua anulação, na forma do artigo 171, que dispõe:
"artigo 157 -Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga à prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
Artigo 171-Além dos casos expressamente declarados em lei, é anulável o negócio jurídico:
1-()
lI-por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores".
Importante, também, a regra de que comete ato ilícito, o que significa revestir-se de nulidade e atrair a obrigação de indenizar, o titular de um direito que, ao exercê-lo, exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim
207 Em "O Novo Código Civil Brasileiro: em busca da ética da situação", em Diretrizes do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: editora Saraiva. 2002, páginas 88-168, página 158.
.......
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
140 REVISTA ESMAFE N°15
econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes, confonne o artigo 187 do Código Civil de 2002.
o contrato deve ser encarado como instrumento de realização de operações econômicas, moldado pelo interesse dos particulares e da sociedade, interesses que se estendem à proteção ao indivíduo economicamente mais fraco e à manutenção da justiça social, distribuição mais justa das riquezas e promoção do progresso econômico, concretizados pela atuação do aplicador do
direito. 208 209
4.2 Princípio da eticidade
Por esta idéia central, enuncia-se o sentido de valorização da pessoa humana, como fonte de todos os demais valores. Trata-se de concepção do direito em novos moldes, em que institutos como a propriedade estão subordinados à realização dos interesses das pessoas, não configurando finalidade em si mesmos, ao lado de que, em outra vertente, exige-se das pessoas padrões de comportamentos éticos, transparentes, o que repercute nos deveres decorrentes de relações negociais.
Em primeiro lugar, valoriza-se a pessoa humana, apenas e somente em razão de tal qualidade, fenômeno que é bem percebido por Judith MartinsCosta, ao dispor que opera-se verdadeiro retomo do direito civil, e do direito privado como um todo, aos valores da civilidade: "se em primeiro plano está a pessoa humana valorada por si só, pelo exclusivo fato de ser pessoa -isto é, a pessoa em sua irredutível subjetividade e dignidade. dotada de personalidade singular e por isso mesmo titular de atributos e interesses não mensuráveis economicamente -passa o direito a construir princípios e regras que visam a tutelar essa dimensão existencial, na qual, mais do que tudo, ressalta a dimensão ética das normas jurídicas. Então o direito civil reassume a sua direção etimológica e do direito dos indivíduos passa a ser considerado o direito dos civis, dos que portam em si os valores da civilidade. " 2/0
20S V. Adriana Mandim Theodoro de Mello, em A Função Social do Conlra/o e o Principio da Boa Fé no Novo Código Cil'il Brasileiro. em RT, volume Sl,julho de 2002.11-29.
209 Oportuno o comentário de Eduardo Sens dos Santos, em A Função Social do COIl/ra/o. Revista de Direito Privado, número 13, jan/mar de 2003 (99-111), páginas 111: não podem, portanto, ficar alheias ao conceito de função social do contrato as questões que guardem relação com a dignidade do ser humano, com
o progresso da sociedade e com a garantia de direitos fundamentais. devendo o magistrado, no caso concreto. pautar-se por esses padrões, mensuráveis objetivamente por meio da jurisprudência. Em outras palavras.
o juizo acerca do alcance da função social do contrato deve ser sempre feito de acordo com os padrões de conduta verificáveis na sociedade. E isso, como qualquer outro conceito expresso por cláusulas gerais, deve ser precisado com o tempo, no exercício diário da jurisprudência.
210 V. O Novo Código Civil Brasileiro: em busca da é/ica da si/Ilação, em Diretrizes do Novo Código Civil Brasileiro, editora Saraiva, São Paulo: 2002, (88-16S), página 132.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO 141
Sob novo paradigma, afasta-se o novo Código das amarras da segurança jurídica, exacerbadamente resguardada no Código Civil de Beviláqua, para acolher termos genéricos como boa fé, probidade, justa causa, entre outros, que permitem alcançar a concreção jurídica.
Apesar do uso de termos genéricos, recorde-se que ao operador do direito é possível tomar concreta a intenção do legislador, sendo esta uma das marcas do novo Código, a sua operabilidade.
Desdobra-se o princípio da eticidade em outros princlplOs, como
o princípial da boa fé e o princípio da justiça contratual que, para Fernando Noronha, em visão sob o nosso ponto de vista restrita, configuram, ao lado do princípio da autonomia privada, a ordem pública interna dos contratos: "assim autonomia privada, boa fé e justiça contratual constituiriam os três princípios fUndamentais dos contratos, constituiriam, poderíamos dizer, a ordem pública interna dos contratos. Nesta perspectiva, as "outras "ordens públicas, aquelas usualmente consideradas como constituindo a (única) "ordem pública" (isto é, a ordem pública tradicional, ou política, voltada para a tutela dos bons costumes, da família, das liberdades individuais, etc... , mais a nova ordem pública econômica) passariam a constituir umas ordem pública externa."211
4.2.1 Princípio da boa fé
Ao abordar o princípio da boa fé, fundamental é que se recorde a distinção entre boa fé objetiva e boa fé subjetiva, não sem antes recordar que tal princípio não configura nenhuma novidade, sendo o direito romano o seu berço
histórico.212213
Antonio Musio, tendo em vista o Código Civil Italiano de 1942, e em enfoque centrado no aspecto contratual da boa fé, destaca que "o legislador estabeleceu no Código Civil de 1942 uma série de deveres contratuais que devem ser respeitados pelos contratantes em todos os estágios da vida do contrato ", destacando que tais deveres devem ser enquadrados na categoria de boa fé objetiva, antes destacando que a boa fé que é exigida através da regulação de um fato ou de um comportamento é a objetiva, ao passo que a boa fé que se configura como estado de consciência é a boa fé subjetiva.214
211 V. Princípios dos Contratos e Cláusulas Ahusivas, Tese, USP, São Paulo: 1990.
212 Goron, Lívio Goellner: Anolaç(jes sohre a Boa Fé /lO Direilo Comercial. Revista de Direito Privado, número 13, 143-157, páginas 144.
213 Wieacker, Franz: EI Principio General de la Buena Fe. Tradução de Jose Luis Carro. Madrid: Civitas 1977.
214 Em La Bona Fede nei Contra/li dei Consumalori, edizione Scientifiche ltaliane.. Napoli : 2001, páginas 17 a 19, no original: (... ) iI legislatore há sancito nel códice deI 1942 esplicitamente uma serie di doveri che i contraenti devono rispeltare in tulti gli stadi della vita deI contralto. (...) Da um lato, dunque, abbiamo la buona fede che é regola, (oggetiva) di um falto (artigo 1366cc) o di um comportamento (artigo 1175. 1337.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
142
REVISTA ESMAFE N°15
Na mesma linha Junqueira de Azevedo, que afasta a confusão entre os conceitos, destacando que "não se confimde essa boafé objetiva com a subjetiva que conhecemos de longa data no direito brasileiro, a qual não representa nenhuma novidade. A boa fé subjetiva, começando pelo que é sabido, é uma espécie de conhecimento ou desconhecimento -portanto algo psíquico nas pessoas -que o direito considera especialmente no campo dos direitos reais. A boafé no usucapião encurta o prazo. A boafé na questão defrutos dá direito ao possuidor sobre frutos, no caso das benfeitorias, e assim por diante. Esta boa fé é um estado de espírito que, naturalmente, entra no suporte fático para aquisição de direitos, principalmente direitos reais. A boafé do nosso tema, é a objetiva, uma espécie de comportamento, poderíamos dizer, de correção, no caso, entre contratantes, ou até entre pré-contratantes na fase, portanto, de tratativas ".215
oprincípio da boa fé, objetivamente considerado, impõe a observância de um padrão de conduta, típica do homem médio, de acordo com as condições do caso concreto.
Não previsto de forma expressa no Código Civil de 1916, é explicitado no Código Civil de 2002 em diversos dispositivos, ora importando em instrumento de auxílio ao intérprete na definição do conteúdo contratual, ora atuando como expressa limitação da atuação dos particulares, que devem se posicionar eticamente, ensejando a anulação de negócios jurídicos ou estabelecendo padrões de comportamento a serem seguidos, não apenas durante
o contrato, mas também na fase pré-contratual e após o contrato.216 217
1358. 1375. 1460, comma 2, 2598, n.3, cc) dall"altro abbiamo la buona fede Che estato (soggetivo) delia coscienza.
215 Em "O Princípio da Boa Fé nos Contratos", em Com<'nlários sobre o Projeto de Código Civil Brasileiro -Série Cadernos do CEJ-Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, número 20, páginas 121-132. página 123.
216 No Código de Defesa do Consumidor é previsto o princípio da boa fé objetiva, nos artigos 4' , inciso 111 e 51,inciso IV. verbis: artigo 4', -A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade. saúde e esperança, a proteção de seus interesses econômicos. a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. atendidos os seguintes princípios: (...) 111 -harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170 da CF), sempre com base na boa fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, artigo 51 -São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (... ) IV -estabeleçam obrigações consideradas iniquas, abusivas. que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade
(,,,),
217 Menezes Cordeiro, em A Boa Fé como Regra de Conduta, volume I. Coimbra. Almedina, 1985, páginas 648\649. destaca o papel de restrição à autonomia privada exercido pelo princípio da boa fé: "Impõe-se, assim, à reflexão, um nível instrumental da boa/é: ela reduz a margem dI' discricionari<,dade da atuação pril'Oda, emfimção de objetivos externos",
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÀO 143
Como elemento útil e condicionante da interpretação dos negócios realizados, é previsto nos artigos 112 e 113, do Código Civil de 2002 verbis:
218
"artigo 112 -Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
artigo 113 -Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos do lugar de sua celebração".
Compete ao aplicador do direito, na definição do conteúdo contratual, observar a intenção e comportamento dos contratantes, bem como as suas expectativas recíprocas, firmando com exatidão o alcance e responsabilidades dos participantes no negócio jurídico.m
De forma genérica, como fundamento para restringir a atuação dos particulares, exigindo padrões de comportamento, consta o princípio da boa fé no artigo 422, do Código Civil de 2002, que dispõe:
"artigo 422 -Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da boa fé e da probidade".
Observe-se que, embora o dispositivo tenha predicado a aplicação do princípio na conclusão e execução do contrato, a doutrina tem conduzido
o entendimento de que na fase pré-contratual, bem como na fase posterior ao contrato, mister se faz aplicar o princípio da boa fé. Em verdade, entendimento diverso levaria à inutilidade do princípio em inúmeros casos, já que o conteúdo das relações é firmado na fase de tratativas, sendo a fase pós-contratual fundamental para o bom resultado do negócio realizado, que pressupõe assistência técnica de fácil acesso e eficiente, assim como lealdade entre os antigos contratantes. 220
218 Na linha do que pioneiramente houvera sido estabelecido no artigo 131 do Código Comercial:
artigo 131 -Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato. a interpretação. além das regras sobreditas. será regulada sobre as seguintes bases: I. a inteligência simples e adequada. que for mais conforme à boa fé. e ao verdadeiro espirito e natureza do contrato. deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras; (... )".
219 Junqueira de Azevedo. na obra citada. aponta que quatro são os pressupostos a fim de que se possa ser concretizada pelo intérprete a idéia de boa fé : a expectativa. fonnada a partir do comportamento das partes; fundamento da expectativa. que seja realmente baseada no comportamento não em meras ilusões; investimentos em relação à expectativa e causa da expectativa vinculada à atuação da outra parte. páginas 1271128.
220 Junqueira de Azevedo. em Princípios do No\'O Direito Contratual e Desregulamentação do Mercado. RTIFasc. Civ. Ano 87. v 750. abril de 1988. página 116. defende que a boafé objetiva se extende dafase précontratual à pós-contratual, criando deveres entre as partes, como o de informm; o de sigilo e o de proteção. Nafase contratual propriamente dita. esses del'eres passam a existir paralelamente ao "ínculo contratual
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
144
REVISTA ESMAFE N° 15
Com a intenção de configurar explícito limite aos direitos subjetivos, prevê o artigo 187:
"artigo 187 -Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes."
Trata-se de dispositivo que permitirá efetiva eficácia ao princípio da boa fé, instrumento de imposição de comportamento adequado aos contratantes, sem necessidade de demonstração de culpa ou dolo.
Esclarecedora, sobre o tema, é a lição de Gerson Luiz Carlos Branco: no artigo 187 a boafé é usada como um limite interno do direito subjetivo, pois o direito que for exercido contrariamente à boa fé é considerado abusivo e o ato é classificado como ilícito. Esse artigo do novo Código tem sofrido críticas desde a sua feitura na década de 70, sob o argumento de que foi consagrada a feição das teorias externas su~jetivas, que obrigam a vítima do ato abusivo a provar um ato ilícito culposo. Tal crítica não tem qualquer fundamento, pois apesar de o artigo 187 do Código Civil de 2002 fazer referência a um ato ilícito, não diz respeito ao ato ilícito do artigo 159 do Código Civil de 1916. Ocorre que, atos ilícitos podem ser absolutos ou relativos, vem como podem exigir ou prescindir de culpa. No caso, o dispositivo não exige culpa, mas que no exercício o titular "exceda" os limites impostos pelo seu/im econômico ou social, pela boafé ou pelos bons costumes. ]]1
Especificando o princípio no aspecto em abordagem, Judith Martins-Costa destaca que "ao operar negativamente, de forma a impedir ou a sancionar condutas contraditórias, a boa fé é reconduzida à máxima que proíbe venire contrafactum proprium. Essa expressão indica uma especificação da antiga Teoria dos Actos Próprios, tradutora de princípio geral que tem como injurídico o aproveitamento de situações prejudiciais ao alter para a caracterização das quais tenha agido, positiva ou negativamente, o titular do direito ou faculdade. (.. .) Trata-se de regra de fundo conteúdo ético que, por refletir princípio geral independe de recepção legislativa, verificando-se nos mais diversos ordenamentos como uma vedação genérica à deslealdade. Na proibição do venire, incorre quem exerce posição jurídica em contradição com
o comportamento exercido anteriormente, verificando-se a ocorrência de dois
.. são deveres anexos ao qlle foi expressamenle paclllado. Da mesma forma, Moreira Aires em A Boa Fi! Objetiva no Sistema Contratllal Brasileiro, Revista Roma e Amàica, Roma, \'OllIme 7\99, 1999.
221 Em"O Culturalismo de Miguel Reale e sua Expressão no Código Civil de 2002". em Diretrizes Teóricas do No\'O Código Civil Brasileiro. São Paulo: editora Saraiva, 2002. página 62.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA sa REGIÀO 145
comportamentos de uma mesma pessoa, diferidos no tempo, sendo o primeiro (o factum proprium) contrariado pelo segundo. " m
A concepção de Junqueira é assemelhada, já que defende que "o
principio da boa fé, que veio corrigir eventuais excessos do subjetivismo individualista, além de impedir o venire contra factum proprium, impõe também a manutenção de uma linha de conduta uniforme, quer a pessoa esteja na posição de credor quer na de devedor." m
4.2.2 Princípio da justiça contratual
Por princípio da Justiça contratual entenda-se a diretriz genérica de que as obrigações devem obediência a certo equilíbrio, definido pelas partes nos termos da lei, que as vincula e protege das alterações posteriores.
Deve-se afastar o aniquilamento de qualquer dos contratantes, tomando-se efetiva a solidariedade prevista na Constituição Federal, compreendendo-se que a idéia de justiça contratual não é mais moldada pelos contornos do voluntarismo contratual. 224
Dentro desse contexto, Paulo Luiz Netto Lôbo aponta que talvez uma das maiores características do contrato, na atualidade, seja o crescimento do princípio da equivalência das prestações. Este princípio, segundo o autor, "preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem serprevisíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, tal como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e onerosidade excessiva para outra, aferívelobjetivamente, segundo as regras da experiência ordinária." m
A previsão da necessidade de justiça contratual é existente em diversos artigos do Código Civil de 2002, como na aceitação da teoria da resolução por onerosidade excessiva (artigos 478, 479 e 480) e do instituto da lesão (artigo 157), e ainda nos artigos 317, 396 e 413.
222 Em "A Boa Fé como Modelo (Uma Aplicação da Teoria dos Modelos de Miguel Realei ". em Direln::es Teóricas do Nol'O Código Civil Brasileiro. editora Saraiva, São Paulo: 200 I, páginas 214\215.
223 Em Inle/prelação do Conlralo pelo Exame da Vonlade ConlralUal, Revista Forense. volume 351. 275283.
página 280.
224 Y. Nalin, Paulo: A Função Socíal do C0171ralo 170 Fuluro Código Civil Brasileiro. Revista de Direito Privado número 12. out/dez de 2002. 50-60.
225 Em Conlralo e AlI/dança Social. em RT 722. dezembro de 1995.140-45). página 44.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
146 REVISTA ESMAFE N°15
Ao admitir a resolução dos contratos por onerosidade excessiva, resguarda o legislador o equilíbrio da equação contratual, em face de modificações extraordinárias e imprevisíveis:
"artigo 478 -Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tomar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
artigo 479 -A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Artigo 480 -Se no contrato as obrigações couberem apenas a uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva".
O legislador procurou afastar as prestações desproporcionais em outras situações, a teor do artigo 317, que regula o objeto do pagamento e sua prova, dispondo que, quando por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. 226
Eventual hipótese que não possa ser resolvida com as normas decorrentes dos artigos antes referenciados enseja a possibilidade de aplicação das normas sobre enriquecimento sem causa, descritas nos artigos 884 a 886 do Código Civil de 2002. 227
A preocupação em resguardar a justiça contratual vai além da alteração do equilíbrio contratual por eventos imprevisíveis e extraordinários, sendo admitida a hipótese de lesão, descrita no artigo 157, como apontamos ao analisar, anteriormente, o princípio da socialidade.
226 artigo 317 -Quando. por motivos imprevisíveis. sobrevier desproporção manifesta ente o valor da prestação devida e o momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo. a pedido da parte. de modo que assegure. quanto possível. o valor real da prestação.
227 artigo 884 -Aquele que. sem justa causa. se enriquecer à custa de outrem. será obrigado a restituir o indevidamente auferido. feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único -Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada. quem a recebeu é obrigado a restitui-la. e. se a coisa não mais subsistir. a restituição se fará pelo valor do bem à época em que foi exigido.
artigo 885 -A restituição é devida. não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento. mas também se esta deixou de existir.
Artigo 886 -Não caberá a restituição por enriquecimento. se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO 147
Com a lesão é possível pleitear a anulação de contrato firmado sob premente necessidade ou por ínexperiência, em que uma das partes admite prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta, sendo a desproporção aferida segundo os valores vigentes à época da celebração do negócio jurídico. Trata-se de hipótese de anulabilidade do negócio, que não será decretada se for oferecido suplemento suficiente ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito excessivo.
Já no artigo 396, ao regular a mora, o Código Civil de 2002 dispõe que não havendo fato ou omissão imputável ao devedor não incorre este em mora, estabelecendo critérios que evitam a configuração indevida da mesma.
228
Na regulação da cláusula penal, no artigo 413, o novo Código permite a redução da penalidade pelo juiz, eqüitativamente, se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.m
Todas as hipóteses narradas tem por objetivo a prevalência do valor maior de equilíbrio da relação contratual pactuada, na forma da lei, e o afastamento de qualquer oneração excessiva.
Sob outra concepção, em que é objetivado o equilíbrio da relação material entre os contratantes, o princípio da justiça contratual justifica a imposição de normas cogentes nos contratos entre particulares, configurando restrição à liberdade de contratar, como suscitam Kõtz e Flessner :
"Onde as partes são desiguais em poder de barganha, onde a paridade contratual é pertubada, e a parte mais fraca precisa de proteção, deve a liberdade contratual deixar de ser restringida por normas imperativas? Não é tempo de o princípio da liberdade contratual ser substituído ou complementado pelo princípio da justiça contratual ?"230
Percebe-se, assim, a importância fundamental do princípio da justiça contratual no sistema estabelecido pelo Novo Código Civil.
5. Conclusões
228 artigo 396 -Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora,
229 artigo 413 -A penalidade deve se reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo. tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
230 Kõtz, Hein e Flessner. Axel ; European Contract Law, vol. I, Formafioll, Validil1' mui Confenf of Confracfs; COllfracf and Third Parfies. Tradução de Tony Weir. Nova York : Oxford, 1997. pág. 11.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
148
REVISTA ESMAFE N°15
Como consequencia das modificações sofridas na sociedade contemporânea, com a superação do ideário liberal, o direito privado assume contornos diferenciados dos tradicionais. É em tal contexto que se pode falar em publicização do direito privado.
Entende-se por publicização do direito privado o fenômeno da interferência do Estado nas relações privadas, em defesa dos mais fracos, equilibrando relações naturalmente disformes.
A nova realidade social impõe restrições à liberdade de contratar. No Ordenamento Jurídico Nacional amplia-se a heteronomia da vontade, definida como a área dos atos jurídicos cuja regulação é externa aos seus elementos. O Estado interfere na autonomia de definir quando, com quem e como contratar.
A liberdade de fixar o conteúdo contratual implica na possibilidade de optar por qualquer dos contratos que possuem regulação específica na legislação, como também por alterá-los, acrescentando cláusulas não previstas ou na possibilidade de contratar de forma diversa da regulada pelo legislador. O artigo 104, do Código Civil, importa em restrição à liberdade de fixação do conteúdo negociaI, restrição que se estende à ordem pública e aos bons costumes.
Normas de ordem pública são as que regulam e protegem interesses fundamentais da sociedade e do Estado, estabelecem as bases jurídicas fundamentais da ordem econômica ou moral no direito privado de determinada sociedade, revestida de caráter imperativo, cujo descumprimento acarreta a sanção de nulidade do ato jurídico, na forma do artigo 166, do Código Civil. Os bons costumes são regras morais que formam a mentalidade de um povo e se expressam em princípios, como perempção, proibição do jogo, etc.
Os princípios da socialidade e da eticidade, constantes do Código Civil de 2002, são forma de restrição da fixação do conteúdo contratual, seja esclarecendo ao intérprete o exato conteúdo do contrato seja impondo às partes normas contratuais e padrões de conduta inafastáveis.
O artigo 421, do Código Civil, impõe a análise das normas do acordo de vontades a partir de sua finalidade, sua função, sua utilidade social. Também são emanações da socialidade no Código Civil os artigos 157, 423 e 424. Importante, ainda, a regra de que comete ato ilícito, o que significa revestir-se de nulidade e atrair a obrigação de indenizar, o titular de um direito que, ao exercê-lo, exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim social, pela boa fé ou pelo bons costumes, na forma do artigo 187, do Código.
Pelo princípio da eticidade, que se desdobra em princípios da boa fé e da justiça contratual, institutos como a propriedade e o contrato estão subordinados à realização dos interesses das pessoas, não configurando
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007
ESCOLA DE MAGISTRATURA DA 5" REGIÃO 149
finalidade em si mesmos, ao lado de que se exige, em outra vertente, padrões de comportamentos éticos, transparentes, o que repercute nos deveres decorrentes das relações negociais.
São emanações do princípio da boa fé objetiva os artigos 112, 113 e 422 do Código Civil. No artigo 187, há regra que enquadra o ato que despreza a boa fé objetiva como ato ilícito, sujeito à nulidade e indenização por dano. A previsão da necessidade de justiça contratual é disposta nos artigos 478, 479 e 480, na aceitação da onerosidade excessiva e no artigo 157, na admissão do instituto da lesão.
Concluímos, destarte, que a autonomia privada e, como conseqüência, a liberdade de contratar, sofre severas restrições no Código Civil de 2002, moldando as relações jurídico-privadas em padrões distintos da concepção tradicional.
Revista Esmafe : Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 15, ago. 2007